Alegoria poética - Maria de Nazaré

Outrora ao procurar algo tão puro quanto os cristais do tempo; fui dissuadida a distanciar-me do amor humano.

Na distância, uma ausência crescia e aos poucos dentro de mim ganhava vida.

A forma que em mim se fazia, era um filho proveniente de minha paixão perene para com a solidão.

Os tolos bradavam o meu aspecto virginal, mas traí ao mundo e a natureza.Traí até mesmo o amor

no exato momento em que gerei um Deus dentro da minha solitude.

Gerei a minha própria salvação em um messias destinado a morte.

Ora, não sabes que nem mesmo a soberania de poder gerar o próprio significado da vida, pode salvar-nos do pecado da existência?

O deus que saiu de mim, revelava ao mundo as minhas cicatrizes e caminhava exposto por entre os açoites da incompreensão.

O messias de meus devaneios era a materialização mais frágil e sublime do meu amor pela solidão.

Ele nasceu no berço da filosofia e vestiu o manto da subversão, pois recusava o mundo e qualquer outro amor que não fosse o meu próprio.

Tua coroa evidenciava o meu reinado sobre as minhas próprias dores, e teu açoite revelava o meu excesso de humanidade ao repudiar a minha espécie, ao passo que, sangrava pelas dores de cada um.

Testifiquei a ausência de um antigo amor através das lágrimas do meu messias, e desejei extingui-la em segredo.

Então o ouvi bradar da cruz: "Vedes que estão condenados a serem livres, terão de moldar uns aos outros na argila frágil da existência, e perecerão não só de fome e frio como as outras espécies, mas terão de conviver com a própria consciência e com o soprar de cada ínfimo sentimento que os tocar."

No seu calvário assisti o suicídio de uma parte minha, então sangrei por sobre o meu testamento literário e amaldiçoei a minha liberdade.

Sou o arquétipo da inocência sacrificando a única parte em mim que os homens são capazes de enxergar.

Sou a soberania reprimida em cada mulher que na terra pisastes.

Sou o suicídio de cada ausência que tenta sobrepujar o amor pela solidão.

Sou a ressurreição suprimida em cada consciência que perece sob a cruz do tempo.

E tu me sentirás ao encarar os teus demônios durante cada crucificação, e lembrarás que em cada morte existe a capacidade de regeneração.

Digo-lhe, cara solidão, nosso maior presente ao mundo que tanto nos açoitou, foi ter lhe dado o filho que nunca tivemos.

E o meu maior presente ao tempo, foi ter-lhe consagrado a minha própria soberania ao crucificar a ausência que antes crucificava-me ao passado.

- Letícia Sales

Novo Instagram de poesias: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 20/04/2021
Reeditado em 03/03/2022
Código do texto: T7236914
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.