Lamentos no deserto parte 2

você suportaria continuar num lugar

onde tudo te faz lembrar alguém

que mesmo longe segue no seu coração

e se ele se encontra sem direção

é porque você se perdeu no deserto

das orações repetidas e não atendidas

das esperas que conduzem ao desespero

das promessas quebradas ao meio

no silêncio da noite não mais a lua

as prosas despreocupadas e ternas

de quem já redescobriu a grandeza da vida

ao se ver refletida no brilho de um olhar

que transmitia serenidade e esperança

e te fazia sonhar como uma criança

que olha para o céu e acredita no impossível

nas certezas de um futuro em que

as linhas ditam um final feliz

você não sabe nem sequer se é o final

porque a cada tábua cruzada dessa ponte

o percurso parece aumentar de tamanho

os dias se passam na lentidão de anos

a angústia nem se disfarça

quando aleatoriamente uma lembrança vem

de um tempo até então recente

agora parte de um passado bem presente

em cada verso que tece essa manifestação

no ritmo melancólico de um vidro embaçado

por uma tempestade que lava a alma

lágrimas que pesam no peito fatigado

interminável noite sem luar nem estrelas

por onde quer que se vá

impressas estão as marcas do inesquecível

não adianta cobrir a parede com outra cor

dispor os móveis em outras posições

nem fazer as malas rumo a uma expedição

para o lugar mais longe que conhecer

você tenciona escapar da dor

e pode subir o mais alto dos montes

ainda assim ela estará lá a te afligir

porque a tormenta devasta você dia após dia

a fuga salienta o medo desse amanhã

do que pode estar por trás das reticências

daquilo que não está ao seu alcance

você pode vir a amar de novo e isso te assusta

amar outra pessoa tanto quanto a amou

porque amor maior que aquele não poderia haver

amar de novo significa deixar outro sonho nascer

e te indicar tantas probabilidades

e sua alma ser remendada por toda a ternura

que um amor calmo pode trazer

para quem souber esperar e se preparar

com as decepções, dores e esperas aprender

que a paciência é uma virtude nobre e necessária

eis a inquietação que te assombra

o medo que traz consigo a sombra da indefinição

numa hipótese positiva a seu ver

existe a chance de vocês se reencontrarem

no cruzar da ponte depois da tempestade

sob o olhar cúmplice e fraternal da lua

ou numa linda tarde de sol

nos escritos de hoje enfatiza-se a agonia

de uma garganta rouca que quer gritar

do nó que se forma pelo tal de "pensar demais"

pelos próprios fios soltos da saudade

esse amor é tão grande que ocupa o peito todo

e cada pedaço desse amor ausente se ressente

desse destino tão ingrato que afastou os barbantes

estreitando laços com os versos tristes

redigidos a contragosto e na contramão dos desejos

esse era um dos seus medos antes de se entregar

você já tinha sofrido tanto que simplesmente desistiu

de esperar quem não volta e viver sempre

o mesmíssimo ciclo onde se tem uma breve noção

de quando tudo começou e daquele final em aberto

sendo que escancaradas são as feridas deixadas

parecem tatuagens de tão profundas

a cada passo você ponderava os riscos

até que decidiu mergulhar de cabeça e amar

você cultivou essa semente até ela crescer

e hoje ser não uma linda e solitária flor

mas um jardim que te cerca de ponta a ponta

onde pousam as abelhas e as joaninhas

porque agora que as lentes de sua alma

enxergam o mundo em tons de cinza

a incontestável beleza desse jardim pode te guiar

ser a sua inspiração e o seu refúgio

te indicar que se verdadeiro for esse amor

não há o que possa ser feito para cortar o barbante

nem destruir o que de mais belo foi construído

eis que soa tão recente o presente para ser passado

e tão displicente o tempo dar de ombros

porque hoje a falta de entendimento é problema

parece que ninguém nunca irá te entender

acredite quando eu te disser que não é só você

que olha para o céu e ainda aguarda seu beija-flor

se esse lugar te sufoca eu não te julgo

é doloroso não poder gritar que ela faz falta

apenas desafogue o peito e deixa estar

você não precisa ter respostas para tudo

você supera aquilo que te fez muito mal

um amor verdadeiro você não supera nem esquece

você guarda num cantinho precioso do seu coração

num cantinho bem quentinho

porque tem ciência de que se você é o que é

o poder do amor te transformou

esquecer não significa odiar

quem sabe do amanhã não disse o que ele traz

são várias páginas em branco

de um livro escrito em tempo real

e nem todos os capítulos são auspiciosos

alguns são indefinidos

outros gostariam de ser esquecidos

há ainda aqueles que volta e meia são relidos

pode ser que um dia você se lembre dela

e os olhos não se encham mais de lágrimas

pode ser que numa noite qualquer

você apenas feche os olhos e agradeça

e o calor do corpo dela te faça de cobertor

de qualquer forma não se pode fugir

das situações que inevitavelmente te fazem crescer

são lições a serem ensinadas

desaprender o passo a passo daquela rotina

reconstruir o que foi destruído

ressignificar tantas palavras

evitar ouvir certas músicas

ou esperar a noite cair junto com as lágrimas

é realmente tão confuso e devastador

tanto quanto sofrer só

por que eu te julgaria se me sinto exatamente assim

e ninguém pode viver isso no meu lugar

porque fugir do meu destino e do meu dever

será uma procrastinação com um preço alto

cujos juros já me deixam com tonturas

faço da poesia o meu confessionário

matando o tempo antes que ele termine de me matar.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 25/08/2020
Código do texto: T7046237
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