SINCERAMENTE DESCABIDO ou ANTIDISCURSO
Espraio-me na solidão,
Fácil me perco
Quarto, cozinha, banheiro
As horas desse aperto
Transvertidas em imensidão.
A casa meu mundo inteiro:
Olá meu amigo mosquiteiro,
Bom dia livros que não leio,
Como vão garrafas vazias?
É terça-feira? Já é meio-dia?
Não faz diferença para Diego!
Por breves instantes o devaneio
Olvida minha noite não dormida,
A dor volta no peito, premida,
Minha existência respira;
Na brevidade deste suspiro
A parca paz eu perco.
Por que, cargas d’água,
Eu ainda amanheço?
Não sou um eleito,
O mensageiro jaz calado,
Nenhuma palavra ou conversa,
Não mais me interessa o noticiário,
Só o capítulo da novela
Com o qual trato
Minha alma surda e muda.
A solidão e a dor absurda
Dirigem meus passos no corredor,
Preparam meu café,
Fumam meu cigarro,
Assinam meus contratos,
Enchem o meu prato,
Escrevem meu poema
Sem restrições ou dilemas
Em diálogos entrecortados
Eu sou um expectador,
Um passageiro furando o barco,
Descarrilando o trem
Sem ninguém ao redor,
Sala cheias de passos
De uma pessoa só.
Rumo? Tanto quanto
Nuvens carregadas,
Cédulas no Banco:
O punha que as amassa,
O deus que as trovoa!
É fácil um homem
Achar seu espaço:
Em nenhum coração de mulher,
Espraiado na solidão
E na dor.
É tudo quanto cabe
No meu eu-particípio,
É fácil esquecer o princípio...
Desde quando o precipício
É meu mundo?
Haverá um canto onde descansará
Meu coração?
O túmulo!
Enquanto isso,
Acordo sem dormir
Rodeado de demônios
Qual será meu assassino?
Não tem nada de ridículo
Na solidão,
Tampouco de romântico.
Você não encontra sua existência
De viver só,
Não se conhece uma vírgula a mais,
Nem se encontra Deus,
Onde quer que Ele esteja
Está acompanhado
Do Filho e do Espírito Santo.
Tu? Tu Não!
A solidão é falta
Ausência,
Não é bela,
É antidiscurso.
A solidão não é epífana,
É sacrílega,
Quem quer que a use
Para seus nefastos planos
De engrandecimento moral
Ou busca
Não conhece seu abraço,
Frios e longos braços,
Implacável.
A dor? A dor não te deixa
Mais forte,
A dor não te deixa
Mais sereno,
A dor não te deixa
Mais sábio,
A dor não te deixa
Mais inocente,
A dor não te deixa
A dor não te deixa
A dor não te deixa
Lembra o suspiro? É neste
Precioso e único momento
Em que deixarás de senti-la,
Depois disso a dor te ninará
Como uma criança perdida na estação,
Estará no teu corpo
Gritando misericórdia,
Estará nas tuas relações,
Inclusive com a solidão,
Andam juntas, olha a ironia...
São irmãs ávidas de cada pedaço que tenhas
Sentirás uma fisgada que amortizará,
Depois outra e logo após outra,
E cada vez que uma amortiza
Outra se levanta,
É assim que elas te devoram,
Como um verme nas entranhas
E não tem remédio,
Só um bom e velho tiro na têmpora,
Ou o veneno da taberna...
Que horas são? Já é a janta?
Quem me dera ter discernimento
Ou ter sido eleito,
Sou só um desgraçado desgarrado
Poeta
Que se agarrou a uma esperança
Que como pessoa nem pode ter.
Quantas vezes tenho que dizer:
Eu não sou uma pessoa.
Tenho sorte da dor e da solidão
Serem irmãs dispostas,
Senão a diferença
Entre minha vida e a própria morte
Seria a consciência
Eis aí sua resposta!
Só espero dormir e não acordar.
...
Ratos brincando no forro,
Mensageiro mudo,
Inferno e aplausos!