Solistência

1.

Não posso resumir

a minha

necessidade

em

quartetos

e tercetos

feito um

Shakespeare

feito um

Camões feito

um Vinicius

de Moraes;

como também

não posso ascender

o meu coração

para o nascimento

de um

pensamento

de liberdade

– pois o século,

senhoras

e senhores,

é de cegueira

e de clausura

2.

Constantemente me

despeço

nos abraços dados

em encontros

atrasados,

nos beijos secos

dos lábios

partidos

– como se

a umidade

dos meus prantos

pudesse

reviver tudo aquilo

que

um dia

amei

3.

Sou a minha própria

solidão

– um templo ruindo

no território

dos lírios,

da carência,

do desassossego,

das

borboletas

e das máquinas a vapor

que levam

sem nunca trazer

que levam

sem nunca trazer

que levam

sem nunca

trazer

4.

Quanto mais anos faço,

menos tempo

tenho de vida;

Quanto mais penso

na vida, mas me dói

existir;

Quanto mais penso

em viver a vida,

menos ardências

me restam para

aproveitar

os anos,

os meses,

as semanas

e os dias

que inda

virão

5.

O tempo é uma ave

negra

– plumagem

que se confunde

no abismo aberto

sobre

nossas

cabeças

parindo

estrelas

tão duradouras

que hão de murchar

o sorriso tímido

daquele menino

que achava

o tempo

um troço

lento;

e hoje, adulto,

incompleto

de si,

ouve Chico Buarque,

Milton Nascimento,

Tom Jobim

e Elis Regina

durante a tarde

calada

aguardando

qualquer coisa

capaz de

apaziguar

o teu tormento;

e que busca

na literatura

latina – raramente

estrangeira –

alguma evidência

de que as coisas

inda valham

a pena:

afirmar que dois

e dois

continuam

quatro

e não um exílio

diante

das Águas

de Março