Meditações de Narciso V

Saíras da água.

Nu te puseras ante mim

e as águas de teus olhos

corredeiras

diluíram minha imagem sobre teu corpo.

Lestas

as mãos estendi sobre as formas

difusas de meu corpo e colhi

entre os dedos os teus pés

e nos teus pés coloquei meus olhos

perdidos, bolhas a flutuarem

sobre a espuma da lagoa

que te veste

qual manto de chumbo brilhante

a cobrir-te as asas.

Tu ante mim te contemplas

e em ti me perco

na tua procura

a diluir-me em cada gesto

da tua mão que não me colhe

que na miragem tange o vazio

e outra vez me envolve

no abraço do nada

a me sentir em nada

a nada conduzir minha concha

na corrida sobre as ondas

de espelhos a me cortarem

dividirem multifacetado

a outros caminhos

com voltas e retornos

para o sempre nada.

E tu à minha frente

a me pedir a boca para o hálito

a olhar-me com os abismos

escuros das profundezas.

Contemplo-me nos teus olhos.

Neles te procuro

e os deuses abissais desfilam

os séquitos da eternidade

embriagados de néctar

fartos de ambrosia

ante meus olhos famintos.

Olho-te as mãos molhadas.

Nelas

meus olhos me naufragam em mim

e pleno de mim viro o rosto

a boca escondendo o esgar

a mão caduca a nada servir.

Par contemplar-te

arranco de meus rosto os olhos

e as órbitas vazias

plenas com o nada da tua imagem

me conduzem às tuas mãos.

Não mais eu

despojo-me do coração.

Por que querê-lo?

Resta-me a lembrança de teu peito.

Punge-me tua dor.

E a tua alegria

traz a taça espumante

que se derrama sobre minha boca

que não mais sabe o próprio sabor.

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JBreví
Enviado por JBreví em 02/10/2016
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