MEDITAÇÕES DE NARCISO III

À frente do espelho

no encontro marcado

nos passos deixados atrás

a face se recompôs

miríades de ângulos agudos

obtusos ângulos a me perverterem

na retina cansada dos olhos.

Oculto sob estranhas vestes

na penumbra do quarto

apaguei

a luz dos olhos

sentei-me

tamborete duro madeira velha bamba

sem ruídos.

Os ouvidos embotados

cortaram de mim os rumores da noite

a garganta muda

única e plena aos turbilhões

de pó suspenso no ar

a invadirem o silêncio

das cavernas ocultas

oficina da vida teimosa

exposta ali à frente do espelho

insistente a refletir

miríades de ângulos lascados

a deformidade do cristal partido.

No gesto caduco a mão

acena um anel de ouro

imutável no seu brilho.

O que buscar no passo trôpego

por que ter que ir assim

pelos corredores

à procura da latrina?

Por que arrastar atrás

as chinelas

na monotonia repetida

nesta translação

de saudar o mesmo dia?

Mas eis que corta o caminho o espelho.

Cristal partido

miríades de ângulos agudos

obtusos

a quebrarem a imagem surreal que se assenta.

Num momento

uma réstia de luz sobre

a bandeira da porta

cruza o espaço e se faz diva.

Ah! espelho partido!

Tu estás intacto na moldura velha

intacto a refletir

teimoso na parede da frente

que a água da chuva manchou

que a aranha fez

a teia unindo lado e outro

octogonal

o vão da rachadura

que deixa entrar o vento.

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JBreví
Enviado por JBreví em 01/10/2016
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