Meditaçoes de Narciso - II
Olhos meus, olhos meus
Em que ângulo deste quarto vos perdi?
Ante mim
Verso e reverso branca parede
Muro apócrifo
Onde diluo a visão em nada.
Na estante os livros.
Negros hieróglifos mostram caminhos ocultos.
Nas páginas negras vos procuro
Hieróglifos embotados
Mudas páginas adormecidas
Guardados segredos.
Abro a janela
Procuro-vos nas páginas
Do céu alguma estrela cintilante
Palavra escrita por mãos tortas.
Ante mim o muro.
Escarpado aqui ali uma visão se faz
De fresta iluminada.
Adiante os passos
E no rosto a angústia
Translúcida em bagas de suor frio.
Na rua vejo-vos passar
Espelhos ignotos apressados
No rosto do menino indiferente
Pasta na mão.
Lá um burrico me observa.
Curioso olha-me desconfiado.
O sinal muda: vermelho.
A imagem se condensa.
Espelhos estáticos me petrificam.
Sinal verde e passo não mais eu.
Diluída paisagem mutante esfera
Que me circunda e desvanece.
O burrico olha desconfiado.
Burrico de chapéu, quisera eu tuas
Quatro patas e nada mais com que
Sonhar
Que a água do balde puxada
No poço de terra
Solta samambaia verde gotejante.
De esperança e prêmio a espiga
A mão batida no lombo.
Mais que tudo quisera eu
Teus olhos complacentes.
Olhos de curto olhar
Presos no tapa única e sempre direção.
Quisera tê-los comigo nesta hora
Presos na face álgida peregrina
Mensagem perdida de oceano
No vai-e-vem de praias ignotas
No caminho das águas sempre retomadas.
Quisera-vos nas mãos
E a lâmpada de azeite
Sobre as pedras a indicar o gume
Menos cruel.
Mas vos tenho perdidos
Mãos vazias
Órbitas distantes
Errantes planetas aqui e lá
Universo extremo.
Quisera ainda a luz do semáforo
Verde amarelo vermelho mutantes
Preso em si
Na presente e sempre direção.
Ah, burrico...
As alfafas não me sabem boas
As águas salobras
O milho duro aos dentes.
Mas teu olhar me desmente:
Na geografia tortuosa destas ruas
Minha imagem peregrina onde andará?
Em que esquina minha sombra se esquivou?
Em que tumba chorarei minha orfandade
A imagem peregrina sobre que lápide
Lerá seu nome?
Que féretro arrasta este corpo neste
Estranho campo
Em que espelho desta casa me perdi?
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