Meditaçoes de Narciso - I

Esta imagem passada

Óculos inuteis

Olhos velados pelas lentes baças.

O gesto congelado

Na poltrona os travesseiros

Que cômodo este?

Que casa?

Que aroma esse desse prato

Que mãos estas me ajustas as chinelas?

Vozes carregadas de presente estranho

Vêm lá de fora:

Quem grita e ri?

Sobre a poltrona

Esta imagem passada

Presa ao encosto, aos espaldares

A parede eterno muro.

Na translação das sombras

O espelho.

Do escuro do corpo um som.

Música? Desejo? Lembrança?

O gesto caduco acena uma fuga

Repete-se num arremedo grotesco

De séculos mortos.

Uma fresta se faz.

Um facho de luz corta a bandeira da porta.

O corredor extenso

Tábuas lascadas erguidas no chão.

Na parede os quadros.

Retratos ocultos nos vidros

Paradas imagens de séculos

Vigiam atentos às sombras

Que rondam nas estações sempre iguais.

Na memória um fluxo vermelho

Amarelo pálido - uma lembrança:

- Estás ai?

Não sei de mim ou de ti

A interlocução tão certa quanto

O livro da gramática que não lembro.

Entre nós o espelho.

Tento colher-te nas mãos diáfanas

O cristal anteposto translúcido

Subdivide o aquém e o além

Num muro real:

As palmas das mãos se tocam.

No teu sorriso a alegria esquecida

No teu gesto a leveza

A recordar meu corpo entre

Travesseiros preso nos espaldares

Ao encosto alto de almofadas

Que toldam a visão.

Tu disparas pelo corredor:

Do alto os retratos congelados te espreitam

Enquanto viras a cambalhota de pernas compridas

Sapatos furados, pés na parede branca

Que o tio pintou à cal.

Árvores de galhos através da porta aberta

Terreiro e pasto entre bandos

De galinhas-d'angola.

Não vens? A vaca é mocha

O cavalo pangaré não corre...

No espelho

A imagem arrebatada

Diluída no cristal translúcido

Se desfaz visguenta

No fundo esquecido do cômodo só.

Por que foges?

Por que corres assim desvairado

Camisa xadrez ao peito aberto

No barro palustre dos aguapés?

Ah! As mangas! É tempo de mangas!

E as jabuticabas? E as pitangas?

No forno de barro o pão.

Na cozinha de adobe o café.

Entre o pão e as mangas, o riacho.

Ah! Peito rasgado!

Quisera inundá-lo numa vez

Dos aromas, das águas, das frutas todas

Abraçá-los e trancá-los no peito só meu

Para guardá-los no fundo do espelho

À minha frente

Mudo, estático, a refletir cansado

O corpo esquecido no espaldar da cadeira

Olhos baços na contemplação caduca

Do filósofo perdido das teogonias

Nem mais aquém

Nem mais além

Nem mais a pergunta:

- Quem está aí?

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JBreví
Enviado por JBreví em 21/06/2016
Código do texto: T5674575
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