Desencaixe - breve lamento em quatro partes

I

As pessoas passam por mim

e eu observo

como elas se completam e se encaixam

e se espelham, e observam

como eu sou feliz sozinho

e na solidão me preservo.

As pessoas passam por mim

Eu não compreendo direito

porque logo eu fui ser

a peça a mais

que só faz

o quebra-cabeça estar com defeito.

II

O reflexo sorriu esta manhã.

Mas foi um sorriso cruel,

sádico.

Como ele dá às vezes,

nesses momentos esporádicos.

Das vinte e quatro horas

que passamos

todos os dias

dá pra contar nos dedos

o pouco em que estamos

em harmonia.

O reflexo me traz minha imagem,

mas também tempestades,

dor.

Só não entro numa briga comigo

porque nunca sairei vencedor.

III

Adaptar-se

como

se nunca fui camaleão

nunca fui ninguém mais

além de mim na solidão.

Adaptar-se

por que

se é pra lá que eu pertenço

olhe pra mim de perto

e verá

Mil desassossegos imensos.

Meu sorriso

minha máscara

maquiagem

natural.

Impreciso

me mascara

essa imagem

irreal.

IV

Moça

Vamos falar do instantâneo.

Não vamos falar da última noite

porque ela me foi

mais escura.

Eu nem te conheço

nem somos iguais

mas a noite foi triste pra nós.

A noite é má e seletiva

e escolhe pra quem ser veloz.

Moça,

Vamos falar do momentâneo.

Não vamos falar da última noite

ela me fez retomar

a amargura.

Agora, vá, pertença aos seus

que eu sozinho vou me encaixar

no desencaixe eterno da vida

talvez outro mar

me seja a saída.