Sozinhança

É quando estou sozinho

que tenho a maior pretensão

de me achar dono de mim.

Muitas vezes já quis gargalhar,

quando sozinho,

mas sempre essa vontade,

que vinha de dentro,

tinha na realidade

alguma coisa de fora.

O que normalmente sinto,

quando sozinho,

é a presença do choro

(e, o que é pior,

antes do desespero),

a incerteza, a dúvida, a angústia,

coisas que vêm cá de dentro

e cabem todas no interior de um copo de pó de mim.

É engraçado,

mas não tenho medo

de ficar sozinho,

embora ficar sozinho

possa, em relação a mim,

produzir medo.

É quando estou sozinho

que me atemoriza mais o reconhecimento de minha realização:

nada,

tudo muito aquém daquilo que eu podia ter feito

e, o que é pior,

a certeza de que isso vai se repetir outra vez

quando estiver sozinho.

É quando estou sozinho

que mais entendo a estupidez que é

estar sozinho,

é aí que vejo que cada pouquinho de saber

(ou o que imagino que seja)

que adiciono ao que sei,

colabora no aumento da minha decomposição.

Pois é quando estou sozinho

que acho realmente razão

pra falar do que não sei.

É quando estou sozinho

que sinto as flores morrerem perto de mim,

um deserto vejo em minha frente,

penhascos... Aguardente (in)felizmente

não uso, pois poderia avivar essa visão,

e erguer-se num clarão,

nesse campo árido onde são

raríssimas as menores formas de vida,

um corpo retangular, sólido, de bronze ou aço,

indestrutível, inoxidável,

alto, vigoroso,

um eu todo-poderoso,

um bloco grande de platina iridiada

que teima ser rei de um imenso planeta

cujas formas de vida são irrelevantes.

Mas, engraçado,

é quando estou sozinho

que me acho sem nome,

podia ser mesmo um cone,

um ciclone ou um telefone;

não, esses participam de um outro mundo,

o cone restringe, circunscreve,

vai de uma grande porção até a um ponto.

Pronto: quando não estou sozinho

é que me acho de novo, e rio feliz.

Mas, é quando estou sozinho,

também me achando rindo e feliz,

o que não chega a ser utopia

e, quando acontece, não engana,

aí, sim, me sinto assim num Nirvana.

Rio, 10/08/1977