SOFIA
Quantos livros tu compras por semana?
Foi o que ela me perguntou logo depois
Do primeiro natal em que minha cama
Estava vazia por decorrência de sua partida.
Entrou em minha casa como se ainda tivesse
A chave que fica embaixo da planta murcha.
Talvez fosse um espírito
que atravessava as paredes!
Vestia um vestido de seda rico que nunca pude dar,
O pescoço adornado com pérolas maiores
Que os furúnculos que eu tinha nos pés,
Seus sapatos não tocavam no chão
e seu perfume tinha uma brisa de espera.
Por que voltaste? Por que voltaste?
Não bastava ter tirado a posse
De todos os móveis, de cada migalha de mim!
Mas quando ela passava não ligava
Para pobreza que rondava aquela casa
Que nunca mais teve as portas abertas.
Somente soube enxergar as pilhas de livros
Nas paredes, nos vasos, na pia, na mesa,
Nas estantes, no piso, no banheiro,
Toda a casa infestada deles
Por isso me perguntou se eu os comprava
E foi embora quando lhe respondi
que até nosso anel enferrujado eu vendi
para suprir a solidão de sua falta.
(Do Livro "Para Ninguém")