Pelo menos, este desespero é só meu (A nau dos desesperados)

Pelo menos, este desespero é só meu (A nau dos desesperados)

Como pode habitar alegria em uma ilha que se vê refém da tristeza? Que se percebe fora de sintonia, a mirar o oceano em volta de si com total estranheza?

As manhãs se alternam, substituindo noites de eterno Inverno, permeadas por pesadelos de geladas estrelas, sentinelas de um Deus avaro, petulante e ausente.

Ah! Quanta gana me dá, de esgoelar esta fé idiota, sempre a me cobrar como o mais cruel dos agiotas, a validar a crença de que se pode viver harmoniosamente.

Apesar de todas as evidências que nos pespega, na face, a amiga consciência, teimamos em remar contra a corrente, sempre a dar crédito a essa indócil gente, algemada em sua inseparável estreiteza.

Clamar e espernear pouco acrescenta, senão mais alguns brancos nos cabelos; obrigamos-nos, incontinenti, a uma postura desalentada diante do desmantelo deste zumbizar inconseqüente.

Não faço a menor idéia do que o amanhã me trará. Antes, penso em viver o Hoje, pleno, sedento, faminto; amando como se esta hora presente fosse a minha última, como se outra não houvesse jamais.

O chicotear constante da perplexidade estrangeira castiga-me o dorso, em vergastadas ligeiras, a fustigar-me os velhos sulcos de sangue, com o qual escreveu seus embolorados manuais.

A nau abalroada de meu trágico existir choca-se ora em Scilla, ora em Caribdes; em um, presa a rasgar suas vestes; em outro liberta, prestes a sorrir, a medo – debilmente.

Os espinhos da infâmia dilaceram-me a magra carne, escorchando-me de cumpridas atribuições, pejando-me com novas e insólitas atribulações, a jungir-me violentamente a cerviz.

Minhas vísceras, a revolver-se em cólicas infernais, lançam sua repulsa ao Infinito, a metabolizar em compreensão, blasfemos ditos; a aparar golpes mortais; a aprender a amar incondicionalmente,

Fugindo da pratica inerente a toda gente, que é sempre antes receber; que dá mais importância ao Ter que ao Ser, não percebendo a evidente Ilusão deste nosso mundo de representação em que nada é permanente.

Acossa-me um desespero caolho: tais obviedades, tardiamente, compreender; e acabo lançando-me num imprecar impotente, sabendo que é impossível ajudar a quem não enxerga um palmo adiante do próprio nariz.

Singra estes mares sombrios, minha desesperada nau, a sargaçar por tenebrosos triângulos de dúvidas, a carregar em seus negreiros porões, esquecido lote de desiludidos corações,

A amargar frustradas paixões, largadas em balouçantes sacadas, com flores murchas ornamentadas; flores que pouco antes vibravam ainda em verdes e orvalhados botões.

Esta criança em mim aprisionada, rebela-se contra o que não entende, sempre a renovar a perdida cauda, mimetizando a rústica catende, renascendo de míticas cinzas, reacendendo seus apagados tições,

Iluminando em rupestre fogueira, gélidas noites invernais, pontilhadas de estrelas que se queriam pálidas, a jorrar suas chamas cálidas na órbita de almas impávidas, guerreiras redivivas de esquecidas revoluções.

A nau dos desesperados busca porto iluminado aonde possa descansar, de tantas lutas inglórias, sonhando com novas vitórias, com uma aurora mais florida antes do dia raiar trazendo o som dos pardais

Anunciando o surgir de novas histórias, escritas com sangue, lágrimas e muita determinação, um querer a bater-se de encontro a muros de incredulidade, a tapar buracos de mentiras com tijolos de verdade.

Passo a passo, lentos e continuados, em aparente imobilidade, meu Ser rompe os grilhões do degredo, estraçalha as cortinas do medo e se prepara; aproxima-se o dia de sua alforria, o dia do grito de liberdade.

Então, neste radioso dia, pássaros O precederão em vibrante cantoria, a sufocar as prédicas mais sombrias, a calar na garganta aquele infausto crocitar de corvo, empoleirado em ensangüentados currais...

.... ”- aqui tu não mais voltarás. Nunca mais; nunca mais”.

E então, não mais nos assustaremos com o crocitar engrolado do corvo de nossos temores, pois teremos compreendido, finalmente, as raízes de nossos terrores;

Gatos presos no armário de nossas vivências, alimentados pelo constante esconder de nossas próprias doenças, fantasmas mal-assombrados a arrastar-se em nossa consciência, a implorar alívio prá suas dores

Voais em paz, ave de mau agouro, buscai um outro para cravares os teus punhais, pois na gávea de minha intrépida nau, tuas garras corrompidas não mais pousarás – nunca mais!

Quando não conseguimos responder as nossas perguntas mais incômodas, mergulhamos, eu e minha alma, em nosso hospitaleiro lago de reflexão, do qual retiramos a energia necessária para continuar a caminhar por este deserto em busca do Oásis tão sonhado, lavados das nódoas que mancham a roupa branca com que transitamos pelas estradas da vida . Um dia, eu e minha alma, beberemos da pura água da compreensão, do respeito que os seres humanos aprenderão a ter por todos os seres sencientes...

...e finalmente descansaremos de nossa busca.

Fecho estes escritos, com uma emocionada referência ao poema “The Raven”, O Corvo, de Edgar Alan Poe, o qual, de mim, dispensa maiores comentários.

Vale do Paraíba, segunda Quarta-Feira de Agosto de 2009

João Bosco (Aprendiz de poeta)

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 26/10/2009
Reeditado em 03/05/2011
Código do texto: T1887165
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