Identidade e Paz

Aquela menina vagueou por quartos escuros por muito tempo

Por muito tempo ela oi nada

Nada a definia, definia bem.

O escuro, o vazio, a tristeza e a solidão eram festa para ela.

Sonhava com prédios e construções, só não construía.

A vida acontecia, ela girava, a vida que vinha para ela

Lá no fundo da sua alma,

Aquela menina da Ladeira lá da Poleira,

Sabia que aquilo tudo,

Cantante, dançante, secretaria, analista, gestora de gente,

Organizada, produtiva, objetivo, fazedora de coisas bem feitas,

Severino para tudo, nada daquilo era ela,

Sabia que era a construtora de mundos com palavras, acima de tudo,

E sentia muita falta de fazer isso, estudar isso, respirar isso, viver isso, sentir isso,

Acima de tudo, a tremenda falta que sentia era

De assumir isso como sua identidade,

Mesmo que isso não a desse dinheiro, até ali.

Quando, enfim, limpou seu porão interior,

Quando analisou cada camada de tudo que habitava ali,

Quando, finalmente, deu destino a tudo aquilo,

Destino de partes, destino de secundário,

Finalmente, sobrou ela mesma, sua identidade,

A escritora.

Isso bastou.

Marta Almeida: 03/08/2023