DESASSISADO

Desde que me entendo por gente

na garoupa daquela bicicleta,

voltando pra casa, eu sou diferente.

Sou assim desde que cavava brechas

procurando um inseto que inventei,

desde que dancei com a vassoura

e, as mãos dela, eu segurei.

O sorriso desconcertado da foto

transparecia o absurdo paradoxo

que significava o toque corrente

de uma pessoa que não mais revi.

São recordações do que era óbvio:

eu não estava no mundo presente,

tudo mais que veio eu escolhi.

Meu desabono, meu fracasso,

os relacionamentos que ruí,

a gente procura o ponto

em que tudo deu errado,

eu, severamente tonto,

estupidamente cansado,

ignorei que era pato.

Sim, eu li na juventude, sonhei,

escrevi: migalhas aos pombos!

Em toda oportunidade optei

por me apartar do panorama

como de todos o único que ama,

ah sim, como essa vida canalha

não tem um pingo de verdade,

precisamente chucra,

profundamente rala,

o monstro que me assusta

se chama realidade.

O tanto que desconheço apavora,

lugares onde a pessoa não chora,

onde este peso não as devora

e, se devora, é tira-gosto,

onde ninguém tem rosto

e, também, isso não importa,

a esperança não jazeu natimorta,

ninguém precisa de um poema pra viver!

Particularmente, me parece tarde,

a sabedoria é vizinha da morte

e eu já não tenho pouca idade,

muito embora, uma vida sem sorte

é tudo que eu mereça

no esgarçar de cada triste hora,

onde eu pague minha vileza

e amanheça a minha história.

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 23/06/2023
Código do texto: T7820729
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