NÃO POSSO FECHAR OS OLHOS
Um dia alguém me disse,
não escondas as tuas asas,
voa com os teus sonhos.
Depois de pensar um pouco,
vi que fazia sentido.
Estendi as asas
e passei-lhes com o espanador.
Mas afinal voo com as minhas asas
ou com os meus sonhos?
É melhor voar com os meus sonhos,
eles estão prontos para partir,
ao passo que as asas
precisam de alguma manutenção.
Empoleirei-me nos sonhos,
apertei o cinto
e lá vou eu á procura de aventura.
Queria saber como estava o mundo
depois dum ano de pandemia.
Não me surpreendi,
aprendi a ver com os olhos interiores
que enxergam
o que os olhos do rosto não conseguem.
Vi que os pobres e desvalidos
estavam ainda mais pobres
e mais desvalidos.
Os que tinham um nível de vida médio
estavam pobres, perderam o trabalho
e sem meios para fazer face
ás necessidades do dia a dia.
Os doentes estavam ainda mais doentes
e acabavam por morrer
por falta de medicamentos
e assistência médica.
Entrei em vários hospitais,
comprovei agonizada a falta de oxigénio
e medicamentos,
apesar da luta estóica da equipa médica,
os mortos eram aos milhares.
Saí dali,
temi que o meu coração sucumbisse
com tanta afronta.
Entrei nos paraísos fiscais
e embrenhei-me nas contas offshore.
Como era de esperar
os ricos estavam ainda mais ricos
e resfastelavam-se á sombra da bananeira.
Pronto, já vi mais do que queria ver,
agora preciso de restabelecer a minha energia
para a viagem de regresso.
Dei uma reprimenda aos meus sonhos
por me terem levado
por lugares tão deprimentes.
Acabei por lhes pedir desculpa,
pois se o mundo está nesta miséria,
como posso eu fechar os olhos
e fingir que está tudo bem?
©Maria Dulce Leitao Reis
Copyright 02/05/21