Fundoscopia

Vejo sempre o mesmo,

Nos olhos da criança que sofre,

Nos lábios do menino que clama por socorro,

Nos braços sacolejados de indignação da mulher,

Que não tem seus direitos,

Que sofre, que apanha, que “é” “menor, inferior, incapaz”.

No clamor do bombardeado por radicais,

Bomba físicas e mentais,

Na decepção do filho que é espancado,

Na culpa da filha violada,

No sangue do homem que clama,

Que não tinha nada,

Derramado violentamente na calçada,

No sangue do abastando,

Derramado por ganância,

No olhar faminto dos necessitados,

Nos olhos do morador de rua,

Muitas vezes ainda criança,

Já sem dignidade,

Nos gritos dos diferentes discriminados, apedrejados,

Diminuídos, espancados, rejeitados, enjaulados,

Nos olhos de quem sofre de dor,

A dor da perda,

A dor da doença terminal, aniquiladora,

A dor da doença mental, perturbadora,

A dor da alienação, estranguladora.

Vejo sempre o mesmo,

Todo poderoso, infinito, soberano,

E, no entanto, sofrendo, ali, junto ao sofredor,

Morrendo, ali, junto ao culpado,

Sentindo mais nele a dor do que o Humano,

Como pai, mãe, criador.

O vejo, a sofrer por tantos,

A se indignar com muitos pelos sofrimentos de outros,

A amar,

Com sua dor, com seu sofrer,

Com sua vida,

Amor de entrega, de doação,

De sopro de vida,

Amor de Cruz, de redenção, de liberação,

De oferta de paz, de amor.

O vejo, sempre, o maior sofredor.

Quem sofreria mais que

Quem criou o sofredor?

Aquele que criou, sofreu, se fragilizou e morreu por Amor.

Marta Almeida: 14/10/2020