Tantas vidas dentro de uma só
Sou multi, sou plural,
Nem preta nem branca,
Nem direita nem esquerda,
Fui criada aqui e acolá.
Pai arrastando pra lá e pra cá,
Mudança indo e voltando,
Estrangeira em todo lugar.
“Fala diferente, menina. De onde és”.
Sou de lá.
Que sotaque é esse, menina?! Não és daqui.”
Sou sim. Também sou de lá.
Coisa que mais me orgulha
Foi pai me arrastar nas mudanças,
Me deu legado melhor que ouro,
Multicultural.
Carregar lenha na cabeça.
Ir com mãe no campo ver pai jogar futebol.
Aprender a cozinhar em fogão à lenha.
Pegar lenha e acender fogo pra fazer meu primeiro café.
Morar em casa de sapé,
(as pessoas ainda sabem o que é?).
Casas de madeira, casas de tijolinho, de bloco,
Pé direito alto com conceito aberto.
Pai contando estórias pra nós à noite,
Depois de um dia cansativo de trabalho...
Mesmas estórias... mesmas risadas... sabor sempre novo.
Ver mãe buscar água no chafariz.
Água direto da torneira.
Brincar no rio, aprendendo a nadar
Enquanto mãe lavava roupa e louça.
Banho quentinho do chuveiro que chega relaxa o corpo.
Adormecer deitada na esteira esticada na porta da casa,
Todos os irmãos juntinhos,
Com casa aberta,
Ninguém entrava, ninguém roubava nada
(Isso não volta mais).
Casa com tantas grades que mais parece presídio.
Comprar celular pros donos levarem.
Andar a cavalo, á pé por léguas, pelo meio do mato,
Passar por baixo de cerca de arame.
Andar de condução, no táxi, no avião.
Brincar de corda, de pedrinha, de amarelinha,
De roda, de passa o anel,
De correr, de escalar mudo e árvore, de Stop (Uestop),
(criatividade rolava solta em Stop (Uestop)... a
Até invenção de carro sueco aparecia...
fruta novíssima, inventada na hora...
Na soma dos pontos,
Matemática nunca dava pra menos,
Sempre pra mais...rsrsrsrs).
Ser Severina.
Enfrentar diferenças culturais, novo lugar, novo lar,
Me adaptar,
Semáforos com ruas lotadas, aqui,
Ruas desertas e vazias, ali,
Sem sinalizações nem conduções.
Rabadas, rabanadas, macarrão ou pastas, raviólis e lasanhas,
Ovo poché, sardinha, salmão recheado de camarão,
Estrogonofes e farinha, a tão amada pimenta, fussura,
Frango com polenta e taioba,
Acarajé e vatapá,
Muito pastel, pizza, coxinha.
Coentro, a cebolinha e o alho poró
Com o Cury, a páprica e o tomilho,
Nosso bendito alho com a cebola.
Tantos sabores de lá,
Tantos sabores de cá,
Tantos outros de acolá.
Tanta vida há,
Tantas vidas vividas
Que nem parecem uma só.
Geração mudando...
Recursos mudando...
Mundo mudado.
Vida bem outra... novinha.
Ora cozinhando no fogão à lenha,
Ora nos cooktops...
Ora escrevendo cartas... ora twittando.
Mesmas brincadeiras, mesmos aprendizados,
Outras formas de brincar, de aprender...
Ser frequentadora de bibliotecas.
Ler no papel, ler também no e-book... tudo livro.
Jogar o que quiser, com quem quiser,
Mesmo do outro lado do mundo,
Tudo numa tela, na palma da mão.
Stop (Uestop)... online.
Finaliza expediente... todos nas baias...
Cada um em sua máquina...
Todos Stop, online.
Nada mais de papel.
Mesmas criatividades.
Vida múltipla... tantas sou.
Orgulho de cada uma delas,
Nenhuma me envergonha,
Nenhuma me constrange,
Todas têm muito valor.
Marta Almeida: 20/08/2020