Caminho

Tem dias que tudo me toca, e aquilo que já estava lá encontra sentido e o silêncio deixa de ser tão ensurdecedor.

Hoje precisei ir ao mercado comprar café, fui caminhando porque queria prolongar um pouco mais a sensação de liberdade. Ao sair vi algumas pessoas na porta da casa de um vizinho, me disseram que ele morreu nesta manhã.

A palavra morte ficou ecoando na minha cabeça, lembrei-me do vizinho, o vi muitas vezes caminhando levando o seu carrinho de compras, ele sempre sorria ao me cumprimentar, então entendi, ele morreu! Eu não o veria mais. Pensei na esposa dele, nos filhos e me senti horrorizada, assustada, tive medo.

Me dei conta de que não consegui entender o que está acontecendo, famílias em luto, pais, filhos, avós, irmãos, tios, amigos, pessoas que não voltarão nunca mais para suas casas.

Senti uma súbita vontade de chorar mas lembrei que os olhos estavam descobertos, continuei caminhando e alguns passos adiante vi uma mulher com roupas de academia, ela falava ao telefone dizendo a pessoa do outro lado da linha que deveria ter pensamentos positivos pois desse modo estaria enviando uma mensagem positiva ao corpo e ao universo, creo que franzi as sobrancelhas.

De repente parecia que tudo estava em câmera lenta, um cachorro atravessando a rua, um homem na porta de um bar fumando um cigarro de palha, uma mulher varrendo a calçada e placas do lado de fora dos comércios proibindo a entrada sem o uso de máscaras.

Ainda me resulta estranho ver as pessoas de máscaras, às vezes fico pensando se estão sorrindo por trás das máscaras quando se cumprimentam.

Quando caminhava de volta pra casa senti vontade de sentar no banco da praça, mas me contive.

Observei as rachaduras nas calçadas, o pé de acerola na porta do restaurante da esquina, o velho banco amarelo no ponto de ônibus.

Tentei dizer a mim mesma que se tratava daquele trajeto tão conhecido por mim, mas por mais que eu tentasse eu soube naquele instante que algo havia mudado, mas não tenho certeza se foi o caminho.