AO DEUS-DARÁ

Passa veloz o vento.

Ao volver os olhos

Para a terra,

Vê algo que a alma

Lhe entristece,

E de sofre,

Para, a fim

De confidenciar

Com as estrelas,

Seu pesar:

-- Lindas estrelinhas,

Que os céus pontilham

Com suas

Luzes douradas,

Quem são

aquelas pessoas?

Coitadas!

Parece só

Conhecerem privações!

São a cara

Do sofrimento!...

Onde moram?

-- Não sabe, companheiro,

Vo-lo direi.

Prontificou-se a chefe

Dos astros dourados,

0s olhos rubros

De tanta lágrima vertida!

Onde moram? Tadinhos!

Muitos, não têm casa.

Dormem pelas calçadas,

Tendo pedaços

De papelão por cama,

E o céu por teto,

E os que as têm,

Se é que podemos

Dizer assim,

Residem em

Casebres de taipa,

Ou se aboletam

Em míseros barracões!

Aonde vão?

Pelos cantos,

Ao Deus-Dará ,

Um cortejo dorido

De maltrapilhos , indigentes,

Pobres criaturas

Estendendo a mão à caridade,

Desvalidos da sorte,

Orfãos do poder público,

Cuja morte

A alguns, ja colhe,

Ainda em tenra idade,

Fora os que morrem

Nos primeiros dias de vida.

Fez pausa, a estrela

Em questão, a Dalva,

Para lamentar seu canto,

Derramar seu pranto!...

E, à dor movida, exclama:

É triste a realidade

Que mata, que humilha,

Que embrutece,

Que enlouquece,

Que prostra

O pobre pai de família

Em situação desesperadora!...

Bastaria então,

De amor,

De compreensão,

De solidariedade,

Apenas um gesto!

Mas não o fazem,

Porque têm -- uma pedra

Em lugar do coração!

E só quem nao conhece

O Brasil, desconhece

Essa mácula infame

Que mancha

Sua história: a fome!

-- Quem são esses

Andarilhos errantes,

Que caminham suplicantes,

Dentre abastada gente

Das roupas caras, coloridas,

Das nababescas

Festanças desenfreadas,

Dos lautos

Banquetes esbanjatórios,

Ostentando sua pompa,

Em meio à grandeza

E o contraste da pobreza --

Miséria que como

Peste campeia,

E ao pátrio chão enlodeia!... --

Lamenta o sol, pasmado,

De raiva, a estremecer!

Pontifica a Deusa

Dos namorados:

-- Não vês , infante Loiro,

O quadro melancório

Desses coitados,

Que aos olhos,

Se lhes apresentam?!

São os que essa gente

A qual se refere,

Chama de "paraíbas,

Ou baianos",

E aos quais,

Finge não ver ,

E se os virem

Se aproximando,

Vai se afastando,

Como se estivera

Frente a leprosos,

Rebotalhos humanos,

E não pobres pessoas

Que padecem

De fome,

Que de novo

Bate à porta,

A esperança morta,

Amordaçada,

Aprisionada

Na insensibilidade

De não terem olhos,

Nem planos

Para pobres criaturas,

Odiadas pela

Classe hegemônica,

Que detém

As rédeas do poder !