MONÓLOGO DE UM VULTO

Tudo ligeiramente calmo

Como o movimento do gato.

Tudo calmamente preguiçoso

Como o bocejar do cachorro.

Mobília inerte empoeirada;

Única matéria viva do tempo

Que ainda levo nos bolsos.

O gato, a tarde e o cachorro

Se deitam comigo na sala

Sob a pálpebra triste e serena

Daqueles que não dizem nada.

Coisas mudas rasgam a tez,

Mil aparições de fantasmas

Beijam os meus ouvidos,

Logo volto a materialidade,

Estandarte desta reles vida;

Ao centro recortes de madeira

Repousam retalhos costurados

De retratos pálidos abstratos

De um homem a muito menino

Que outrora foi cão e felino

Pelos campos fartos da juventude.

No pequeno imenso buraco no telhado

Escoam os últimos finos linhos d`ouro

Brincando de coser a morte do dia;

E assim o gato mia, o cachorro late;

Eu faço apenas o que os poetas fazem;

Complacente fielmente contemplo.

E a mobília, o cachorro, o gato;

Me olham como a um estranho.