Olhos Famintos
Eis que ecoa o grito da criança muda
Um ser restrito na calçada surda
Nascido subalterno dos seus infortúnios
Crescido caderno com as pichações dos subúrbios
E no olfato sustenta tal odor
Que rico gaiato nunca cheirou
O putrefato de sua existência
Decomposição desconhecida pela ciência
E no estômago abriga tragédias
Em meio aos escombros de um palco sem comédia
Teatro da fome, da sede, do relento e da dor
Sujeito sem nome, sem parede, condenado por sua cor
E em seus olhos grandes, famintos de afeto
Já não mais feto, saltaste do útero da mãe
Resultado de um aborto mal sucedido
Indesejado, um morto-vivo expelido
Teu pai, qualquer um que tenha pagado uma moeda por prazer
Sua mãe vaga nas ruas da prostituição
Esguio pelos cantos, açoitado no corpo e na alma
Já secos os prantos, ausência de sopro e de calma
Abstém-se de risos, afoga-se em choro engasgado
Em sua expressão um aviso, um rosto esmagado
Anda
Suplica
Treme
Ninguém o vê
O ouve
Ou sequer por ele teme
Será a sociedade cega, surda e muda?
Será mesmo ausência dos sentidos?
Quem por ele irá chorar?
Quem com ele irá se importar?
Quem a ele vai amar?
Ou educar?
Fingem não ver
Fingem não escutar
Hipocrisia é o que se há
Sabe quem acompanha a figura torta do miúdo?
Sua própria sombra e um cachorro manco