Olhos Famintos

Eis que ecoa o grito da criança muda

Um ser restrito na calçada surda

Nascido subalterno dos seus infortúnios

Crescido caderno com as pichações dos subúrbios

E no olfato sustenta tal odor

Que rico gaiato nunca cheirou

O putrefato de sua existência

Decomposição desconhecida pela ciência

E no estômago abriga tragédias

Em meio aos escombros de um palco sem comédia

Teatro da fome, da sede, do relento e da dor

Sujeito sem nome, sem parede, condenado por sua cor

E em seus olhos grandes, famintos de afeto

Já não mais feto, saltaste do útero da mãe

Resultado de um aborto mal sucedido

Indesejado, um morto-vivo expelido

Teu pai, qualquer um que tenha pagado uma moeda por prazer

Sua mãe vaga nas ruas da prostituição

Esguio pelos cantos, açoitado no corpo e na alma

Já secos os prantos, ausência de sopro e de calma

Abstém-se de risos, afoga-se em choro engasgado

Em sua expressão um aviso, um rosto esmagado

Anda

Suplica

Treme

Ninguém o vê

O ouve

Ou sequer por ele teme

Será a sociedade cega, surda e muda?

Será mesmo ausência dos sentidos?

Quem por ele irá chorar?

Quem com ele irá se importar?

Quem a ele vai amar?

Ou educar?

Fingem não ver

Fingem não escutar

Hipocrisia é o que se há

Sabe quem acompanha a figura torta do miúdo?

Sua própria sombra e um cachorro manco

Priscila Anine
Enviado por Priscila Anine em 16/01/2018
Código do texto: T6228044
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