DOIS DIAS

Depois dos dias vazios

da hora marcada

do corre-corre

do aperto no ônibus

do cochilo no metrô

do estresse no trânsito

do olhar vigilante do chefe

das ações sem sentido

que executo nesse tempo

É quando existo de verdade

quando sinto meu respirar

quando sorrio sem obrigação

quando digo o que penso

quando choro se a raiva me toca

quando durmo pelo dormir

quando acordo para mim

E procuro me encontrar

me enxergar

me escutar

me aventurar

me arrepender

me cuidar

Mas só depois dos dias vazios

os cinco nos quais eu vegeto

como drone hominizado

como cão robotizado

nos quais não há sonhos nem possibilidades

só ordens a cumprir

metas a bater

concorrentes a superar

coisas para vender

Quando passam esses dias

é que reparo nas cores do mar

no frescor da manhã

no aconchego da noite

na paisagem da cidade

no cheiro das flores

nas asas das borboletas

no lamento de quem sofre

no sorriso de quem vence

na pessoa que dorme comigo

no sol que entra pela janela

no olhar pidão de meu filho

nas rugas que saem

nos anos que não voltam

Só aí é que estranho o cotidiano

e as coisas mais banais de meus dias

Só aí preencho meu tempo de cor

de sentido e melodia

de formas e de calor

É quando vivo e sei que vivo

sinto meu ser e sei o que sinto

Depois dos dias vazios

O resto é domínio do relógio

do estômago e do dever

do tempo alugado

dos sonhos vendidos

da vida enfadonha

dos desejos perdidos

Existo dois dias por semana

Depois dos dias vazios.

Fabio Ferreira S
Enviado por Fabio Ferreira S em 27/03/2017
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