IMPOSSÍVEL RUPTURA

O que eu faço com um cavalo que não quer ser montado,

principalmente porque não sei montar?

Saí com ele pela estrada e dei a um homem que,

se dizendo cego, disse que não sabe o que faria com ele,

então dei a um menino e o pai o repreendeu,

isso não é coisa de criança,

eu e o cavalo lá fomos mais uns quilômetros,

vi, no alpendre, uma mulher que descansava,

lhe ofereci o cavalo, ela riu e me disse, para quê?,

prefiro ficar sentada vendo a vida passar diante dos meus olhos,

segui adiante até encontrar um verdadeiro cavaleiro,

desses que domam, tornam cavalos diplomatas sobre cascos,

não quis, disse que o cavalo já não aprenderia,

melhor que o desse a alguém que o usasse para cargas,

aí fui eu que disse que não, nem pensar,

fomos, eu e o cavalo, pela estrada,

deparamos com um riacho de águas límpidas,

o cavalo saiu a pastar, me deitei à beira,

me refresquei, olhei para o cavalo que pastava,

daí reparei que estava velho, brancas crinas,

me levantei, fui em direção a ele,

cheguei bem perto e me vi,

em suas retinas,

eu também já velho e de cabelos brancos,

compreendi que passara a vida a querer me livrar

do animal mais obsequioso que já conhecera,

que me olhava e me dizia, com seu olhar,

estamos aqui, amigo, a caminhar pelo mundo,

eu, sem saber para onde ir, só obedecendo,

você, a tentar se livrar de mim, algo impossível,

que juntos agora iremos até o fim,

eu, o cavalo, você, o homem,

natureza e força, inteligência e músculos,

para sempre, juntos...