O sono de um anjo

O anjo na areia

Parece dormir

Um sono cansado.

Queria vê-lo brincando,

Queria vê-lo sorrindo,

Queria vê-lo em seu prometido voo.

Mas o anjo não acorda,

Não brinca,

Não voa.

Quem cortou tuas asas?

Quem foi que apagou os rastros de teus passos?

Quem foi que fez calar teu riso?

Eu digo e afirmo

Que fomos todos nós;

Os olhos cerrados,

Os braços cruzados,

Todos fechados

Para quem só queria o refúgio

De um carinho sincero.

Será que as fronteiras

Que existem os mapas

Se tornaram muralhas

Que separam os homens?

Por que é tão difícil

Abrirmos o peito

Pra dar abrigo

Ao outro que sofre?

Eu queria poder, meu anjinho,

Te tomar em meus braços

E cantar pra você canções de acordar,

E sussurrar coisas belas

Pro teu doce sonhar.

Mas o anjinho não vai acordar,

Nós condenamos, a ele e a outros,

A um aparente dormir.

Eu sei te dizer, meu anjinho,

Que nunca vou te esquecer,

Pois senão eu estaria

Esquecendo de mim

E de quem você é:

Você é nossas crianças,

Você é nosso futuro,

Você é a dívida

Que nos acompanha

E que é preciso saldar.

Você será sempre criança

Em nossas retinas.

Agora vá, meu anjinho.

Sobe bem alto até as estrelas

E conta pra elas as tuas histórias,

A que devia ter sido e a que fizeram ser.

Vai correr entre as nuvens

E cantar entre os pássaros,

Vai rir um riso solto no meio do azul.

Só te peço, anjinho,

Que perdoes aos homens

E que se puderes,

Em tua oração,

Meu anjo,

Sonha por nós.

03/09/15

Em memória de Aylan Kurdi, menino sírio morto aos três anos de idade quando buscava refúgio de uma guerra que não era dele.