INVERNAL
Eu penso que amo o inverno.
Assim triste.
Assim sombrio...
E ao contrário do que possas pensar,
eu não me tranco.
Nem dentro de mim
Nem detrás das portas.
Mas saio por ai.
Pelas lembranças feitas de escuridão.
Pelos passados longes.
O frio me faz sair das sombras,
embora esteja dentro delas.
E permaneça livre.
E apaixonada pela vida.
As noites são imensas no inverno.
Eu sei.
E é por isso que eu tenho tempo de voar
pelo sonho que não se concretizará.
Ou pela realidade que logo acabará.
E é tão bom subir as montanhas mudas.
Sentir o vento cortante.
É tão bom pisar a neve fofa e branca e pura.
Levantar a gola do casaco e aspirar...
O ar frio.
A névoa úmida.
O livre- arbítrio.
Tudo tão carregado de pensares...
E de doces torturas como a saudade.
Como a agonia duma esperança inexistente.
Como o silêncio que é tão presente...
Como a espera da aurora que talvez não mais virá.
Como esses sentimentos apalpados
que não verão mais a luz do sol
e nem acordarão os sonhos outra vez.
“Não haverá iceberg nenhum que o explique...”
Mas eu amo o inverno.
E eu preciso do inverno para sentir
como sinto- em mim- o mistério da vida.
E porque no inverno eu tenho tempo
de percorrer todas as estradas.
De me encontrar em todas elas
com um peso diferente.
E então me compreender...
Que fui e sou- um pouco de tudo e nada-
E compreender- como disse Quintana-
que “no mundo há pedras, baobás, panteras,
águas cantarolantes, o vento ventando
e no alto as nuvens improvisando sem cessar...”
Eu sou um ser invernal.
E quem não é nessa fase da vida?
Eu penso que é o inverno
que desenha o perfil exato
de nossa (im)perfeição.
É o seu vento frio que trás o frêmito na alma
lentamente...
E que, sutilmente, colore os cabelos.
Ou que ansiosamente nos leva a escrever versos.
E é ali, talvez- no ritmo disperso- que se esconde
a gota fugida a esse mar incessante do tempo...”
Que eu tenho que fechar os olhos...
(( Grifos em itálico: de Mário Quintana)
( Imagem: google)