O vale da quimera
Oh mundo, que és o vale da quimera!
Quantos cegos obtusos lutam em confusão
Gládio atroz, que alicia e vitupera,
Enquanto inculto dorme o divino coração.
Das paixões o tropel insano e extenso
Refletem o egoísmo mudo, impassível,
O docel do amor estende a mão, suspenso
Em vão, no arcano de uma vaidade sensível.
De um trono a espera pena o vivedor
Nem concebe que reino lhe seja grato amor
Sonha com palácios de ouro, com catedral
De poder, ao som do instinto ancestral.
Enquanto não evolui, apegado à matéria
Sobre o capricho dos corcéis da carne,
Não concebe do azul o alto carme
E a piada grotesca toma por anedota séria.
Aos seus afaga, à turba indiferente,
E ao inimigo opõe a cruel serpente,
Monstro feroz cujo ovante veneno
Precipita o gratuito inimigo no inferno.
Tudo escraviza: labor, ócio, pensamento....
Falho de razão, apoiado no sentimento
Essa selva ancilosa insulta o Prometheu,
E sonha a imensidade de voar no céu.
Se ergue asa e voa um tanto é devasso
Não segue a moral que férvido apregoa,
Depois da orgia, o látego do cansaço,
Anseia o mar singrar em êxtase a toa.
No horizonte de cego obscuro esbarra
Com as catedrais do amor talhadas em sossego
Não as penetra, e se tem um aconchego
Logo transmuta a serenidade em farra.
Sonha ser Deus... Oh basta! Do mundo
O enredo obtuso não quero desfiar.
Antes prefiro o incenso ante o altar
E o gozo da sensatez, em paz jucundo.