Cadê você?

Cadê você?

Tenho lido, às vezes ouvido, poetas os mais vários; de variados estilos, em busca do brilho invulgar posto num verso capaz de me sacudir a alma, de me desassossegar o plácido espírito mundano

Busco tropegamente nessa miríade de vates, homens e mulheres ataviados de letras geladas, encontrar a taça de absinto que obsediará esta minha sede de amor que me esfrangalha os nervos

Os aplausos de ocasião, as loas hiperbólicas, escondem de mim a vida que quero lancetar, o sangue e o suor a escorrer nas veias, nos corpos e nas estrofes que trapeziam dentro do globo mortal de minhas retinas

Inútil exegese. Tudo o que disponho, o que me sobrou dessa laparoscopia, resume-se a um punhado de palavras atropeladas, sobras regurgitadas que a minha iconoclastia rejeitou.

(...)

Há alguns que se aventuram intrepidamente pelo hostil campo do minimalismo, onde reinava sobranceiro, Leminski. Estes e estas mal escondem as arestas de apressada imperícia

Numa sucessão desastrada de quase desconexos juntar de haicais. Pouco me resta de opção, nesta madrugada em que o sono me foge, que retirar do alforje um Bandeira, ou mesmo um soneto qualquer de Florbela

De repente me descubro apaixonado tardiamente por Thoureau, esse monstro radical e iconoclasta que veio me assombrar desde sua tumba em Concord, suas palavras embaladas na voz anasalada de um cantor de soul

Aonde você se dissolveu, minha amada? Pois que já não mais te encontro nas poesias, e nem mesmo nos versos esparsos das canções urgentes como a fome febril de um desabrigado de agora?

(...)

A intensa oferta de paixões brejeiras, a passeata insensata e ligeira de beldades sem sal, a se evadirem de Gomorra, sem olhar para trás, a morrer escravas enclausuradas em icebergs medrosos

Me remetem apressadamente a folhear as páginas de algum perdido manual de Lombrose, em busca de decifrar o enigma oculto nesses risos sem emoção, nestes rostos secos como o deserto de Atacama

A resignação, esse embuste que nos vendem como consolo, não me serve; dentro do mar de angústia em que me afogo, pago pesado tributo a Morpheus, pois ainda resta muito de noite a se atravessar

Ao longe late um cachorro, a afastar fantasmas de uma casa abandonada, enquanto neste céu pintalgaldo de estrelas que paira sobre a minha cabeça, fico procurando em qual delas eu guardei o teu nome...

Terras de Olivença, quase fim de noite de lua crescente, início de Fevereiro de 2020.

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 03/02/2020
Reeditado em 12/06/2021
Código do texto: T6857019
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