abismo

a humanidade parece

sempre estar no ocaso

de suas palavras;

no precipício do verbo

que lhe define e devora.

é sempre uma finitude

pendendo nos lábios

de algum poeta,

de algum louco jogado

em uma praça,

de alguma mãe

perdendo o seu rebento;

é sempre uma finitude

pendendo nas fibras de algum galho

arrancado de sua árvore;

é sempre uma finitude pendendo

nos lábios de alguma criança

dormindo sem pão

cujas lágrimas misturadas

à dor em seus estômagos

rolam como tsunamis

em seus pequeninos rostos

frios, cadavéricos e inocentes,

é sempre uma finitude pendendo

nos lábios de alguma mãe preta

que amarga a ceifa de sua cria;

é sempre uma finitude

pendendo da injustiça que viceja

como uma prostituta alada,

de um coruchéu de igreja

que tomba, minha nossa senhora,

pela segunda vez no curso

de 789 anos na história,

é sempre uma finitude

pendendo nos lábios

do índio que ainda é assassinado

e tem roubadas as suas terras,

do negro que ainda morre

tendo como culpada a cor de sua pele,

das mulheres que ainda são violentadas,

escravizadas, diminuídas, mortas;

é sempre uma finitude

pendendo do amor entre iguais

que parecem jamais aceitos,

dos corpos que se curvam

sem vida ante as covardes guerras,

aqui, ali e alhures.

não há o fim do poço

é tudo um abismo pelo avesso;

é sempre uma finitude

pendendo de tudo,

sobretudo, da ignorância

que domina e doutrina

a humanidade pós-moderna

em pleno século XXI.