Uma maçã inclinada
Escrito em 30/9
Uma maçã inclinada
Nem caindo nem parada
Ela situa-se equilibrada
Em uma mesa plana que também é parada
Mas inclinada a maçã não cai
Nem quer cair, mas se quer não consegue porque está equilibrada
Nascera torta e inclinada
Simetricamente desajeitada
Ainda tem seu vermelho amarelado
Ou devo dizer amarelo avermelhado?
Quem sabe é só ponto de vista
De certo é, todas as coisas são
Para ela, pode ser normal ou não, talvez catastrófico
Mas está sozinha, longe de sua macieira à plantação
Em contínua inclinação
Quem a vencerá?
Seria a gravidade? Empurrando-a a seu devido objetivo
Ou um humano? Que quer saciar seu desejo primitivo alimentício
Talvez seres microscópicos? Para que a reprodução continue e a cadeia alimentar progrida
Em todo o caso o tempo sempre vence
Porque essas ações só acontecem em virtude temporal, uma armadilha tão inocente
Prisão perpétua certamente o tempo é
Tão perpétua quanto o desvio na forma do doce fruto
Que não tiro meus olhos
E eu ainda julgo essa maçã
Não pela inclinação mas pela efemeridade que tem
E julgando-a também julgo-me
Sou tão efêmero e passageiro
Bem como a maçã encima da mesa
Permanece em equilíbrio
Sem desespero
Pois é assim que fora e será
Admiro a maçã
Esconde explicitamente sua queda
E nem ao menos se preocupa
Também, o que faria?
Que mal causaria uma queda?
Somente um borrão em sua fina e natural pele
Com sua carne suculenta e maciça
Deformada pela natureza
Sem cabelos para balançá-los ao vento como os meus
Mas tem perfume para exalar, e eu não tenho um como o dela
Em minhas mãos seguro a maçã
Também se inclina para adequar-se ao formato de minha mão
Como me aparece esse seu decline
Sinto na maçã e a maçã apenas
O que sentiria afinal senão a própria?
Estou são
Ou são de pensar que estou são
Mas não me asseguro que isso é estar são
A sanidade é a mais insana de todas
A maçã que tende a queda não ouve sons
Não se irrita em não ouvir
Não tem dilemas como eu
Se é o que chamo de dilemas são de fato dilemas para outrem
Mas tem marcas que não se recuperarão
Nem recuperaria se estivesse reta
Ao longo desta observação nada usual e tresloucada
Alguém me perguntaria: "Por que está pensando sobre uma mera maçã quando poderia estar pensando em sim mesmo?"
É aí que se enganas
Se penso na maçã penso em mim
Já que sou como ela
Entretanto não melhor
Eu e ela: à beira da queda
Não mostramos nada a ninguém e nem precisamos dizer
Não temos alguém que nos ame fervorosamente
Porque somos apenas maçãs
Frutos de um ecossistema finito
Tenho grande parte de atitudes "maçanescas"
Logo respeito-a e tenho seu mesmo destino:
Hemos de esperar parados por certo ponto de vista
Em reflexão extrema
Colhidos de hortas férteis
Inclinados, às vezes desequilibrados
Visualmente inúteis, interiormente amplos
Com defeitos e semente que podem ser plantadas
à beira de catástrofes e irrisórios à Via Láctea
Que o tempo nos colha de volta quando chegar a hora
Minha gêmea natural
Ainda temos tempo e coisas para começar e terminar
E até lá
Continuaremos espelhados e sem caminho
Inclinados irrelevantemente