Acaso
De nada importa quão grande o feito seja,
E se na jornada o dever celeste carrego
Porquanto houver neste mundo o arbitrário
Haverá — não contra, mas necessário —
Na vida, o romance que aos desejos é cego.
É a religião a certeza que o homem almeja,
Não porque é lúcido da vida que há de viver
Ou pela comoção frente o redor que chora quieto.
Não! Aspiram aos céus, pois o caos é decreto
E o valor da vida, na morte hão de esquecer.
Não vi o rei a reclamar da morte prematura.
Nem o choro de fome tirar da terra a comida.
Mas tantas vezes vi mesas fartas e gente obesa
Que faz da semente já infértil, brotar riqueza;
E tanto mártir por vã mentira deixar a vida.
Único deus que tira do Destino a ventura
Acima de qualquer canto, poder ou desejo
Que faz Saturno e minha pretensão, réus
De uma indiferença que excede os céus
E tira dele a esperança que fosse ensejo.
Niilismo estúpido pertencente ao covarde!
Faz-se mal cuidado por um deus irreverente
E chora por quão incerta é a chama acesa,
Enquanto só é certo que da morte és presa
E a brutal realidade faz do cansado um crente.
E piora: desgraçada seja a matemática!
Torna-nos mudos a todos os ouvidos
E cegos às tantas paisagens da Pandora
Faz-nos surdos ao canto que a dor chora
Pois é inexistente o que desconhecido.
Mas ela é coesão que surra, sim, e hora trata
Como a razão que dá olhos e mostram triste verdade
Ao desconhecido efêmero, todo o mundo a todos, pois,
É mundo todo o que é de nada é visível aos faróis.
Que vêem, frente ao mundo, lhes faltar claridade.
Então só que não te fuja a consciente razão,
Mas ria, que se você liga, já está em seu favor
Não, nenhum lírico rogo fará a miséria cessar.
E o pescador não vai ser feliz quando atracar
Mas se lutas pela vida, já vive em ti um vencedor.