Telefonema

O telefone gritou.

Taciturno, fitei-o, recusando-me a mover um músculo sequer.

Prestes a desvelar um dos mistérios mais profundos da existência

Fui arrancado de minha meditação por essa aberração tecnológica.

Agora, mal me recordo de qual era a resposta,

Ainda menos da própria pergunta que me absorvia.

Tocou, tocou, tocou...

Não haveria de ser alguém importante

Já que importância deve-se a importância que damos aos outros

E, para mim, nada mais importante que minhas indagações.

Se fosse a Verdade a me ligar,

Lançaria-me e agarraria o fone

Como um moribundo agarra-se ao fio de sua vida.

Mas a Verdade não nos liga,

Nós é que devemos contatá-la.

E, após muito esperar,

Descobrimos que ela não estava em casa

Ou que nos mentiu seu número

Ou que nunca jamais existiu

Foi apenas um delírio de um desajustado

Irrequieto com o telefone que não se cala.