Réquiem para um menestrel
As noites dos homens, envoltas em reposteiros de cortiça, estão despovoadas de estrelas;
As ruas esvaziaram-se de vida: os suicidas bailam, desnorteados, num Carnaval multicor.
Na face oculta da Lua exilou-se a Paixão, desolada e arredia – do antigo Sol dos menestréis não mais resta centelha.
Não há mais beijos ensandecidos na madrugada: a cidade clama por lençóis manchados de amor.
Do olhar torvo da dama que passa o Desejo fugiu - buscou refúgio seguro em suas carnes fartas e flácidas.
A voar em círculos, um corvo mira a carniça abundante: no photoshop a Mentira assassina a ingênua Verdade.
Não há mais reserva de voz na garganta; a revolta é abafada; o nada dizer, o nada fazer, dão-se as mãos num pungente dueto de uma cançoneta plácida.
Num baile funk a escumalha ergue um cadáver em troféu; o crente, defronte, dá graças aos céus; no trotoir, reina a prostituta mal saída da puberdade.
A gralha azul, previdente, carregou, em seu bico, a fraternidade das gentes – ao final do Pralaya ela de novo virá.
Em meio à hecatombe deste século sem alma, os pássaros, maquis renascidos, ainda cantam; na Primavera as flores insistem em nascer;
Enquanto isso, por quinze minutos, uma melancia povoa a luxúria da plebe – no megafone, aos ouvidos do surdo, o astro pop se põe a berrar.
Em nossa cama acordamos, sem sono, no meio da noite: a refletir, a falar, nos perdemos – e fizemos, dessas noites sem estrelas dos homens, uma noite plena de mim e de você.
Vivemos um tempo em que parecemos vazios de paixão, de gosto por fazermos e construirmos coisas com gana, com alma. É como se vivêssemos apenas respirando, comendo e processando o necessário para nos manter vivos, sem buscar deixar a nossa marca nas coisas que fazemos – em realidade estamos a transformar o nosso viver num imenso fast food, deixando-nos submergir no oceano das coisas fáceis e imediatas, nessa ânsia desesperada de sermos notados.
Pobre tempo este nosso, tempo em que o consumismo e o imediatismo, em todas as áreas, se tornaram vigas mestras de nossa sociedade.
Terras de São Paulo, manhã de Terça-Feira, Lua Nova de Dezembro de 2011
João Bosco