Insight

Vislumbro um trapo a balouçar, dançando na minha mente, desprovido de qualquer vontade, num hipotético e esgarçado varal.

Num jardim malcuidado, uma garota com o olhar perdido no céu, displicente; um par de pernas bonitas a desfilar numa charmosa minissaia xadrez.

Rajadas do vento frio da noite me inundam com versos expelidos de bocas circunspectas; palavras cuspidas – patéticos espectros - recheios de um dia normal.

Esse é o insight que me toma de assalto: o conflito intestino a sufocar o meu desejo de diluir o meu tédio nessa atraente taça de legítimo xerez.

A apavorante diarreia verbal oblitera minha cúmplice esofagite - essa megera exigente, introspectiva e fiel.

As inconveniências físicas, paradoxalmente âncoras psíquicas, são marcos dessa rota desorientada de meus vadios pensares, de meu deambular desconexo

A teorizar sobre a sensação de uma pústula extirpada do corpo; de um orgasmo que se perdeu nos escaninhos do Tempo; da necessidade de se cancelar uma reserva de hotel.

Oxalá eu me faça comum como a Tribo, ou me torne receptivo às falácias vigentes – o sono, esse ditador sanguinário, me sequestra, por hora, desse mundo demasiado complexo.

Em outras eras eu me vi nu – um heresiarca destronado e narcísico – no entanto, quando meus olhos te viram, foi que eu me soube existente.

Tua voz cadenciada diz que eu sou a Luz que te guia. E, em silêncio, para o encanto não estilhaçar, teus dedos nos meus entrelaço:

E as palavras que eu não digo ribombam por todos os cantos – tua presença se faz ponte nesse precipício sem fim, nesse mar indistinto das gentes.

Na madrugada um gato se confirma no reflexo dos olhos de seu similar; e, no brilho fugidio de tuas lágrimas, no tremor de tua voz ao dizer que me amas é que humanamente e real eu me faço.

Quase sempre carrego a tiracolo a impressão de que nós, seres humanos, temos dificuldade em lidar com a imensa capacidade de raciocínio que desenvolvemos ao longo das eras. A maioria de nós reage como uma lebre assustada quando nos ocorre um insight que nos coloca diante de um dilema existencial e, como as lebres, quase sempre nos enfiamos em nossa confortável toca de apatia do pré-estabelecido até o incômodo passar.

Terras de São Paulo, manhã de Quinta-Feira, meados de Novembro de 2011.

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 17/11/2011
Código do texto: T3341043
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