UM POEMA NASCE

Nasce de cortada a língua

Sem meias-palavras

Sem palavra ainda

Mas nasce

Nasce no âmago

Da minha mágoa

Mas nasce

Nasce das ondas presas das águas

Como a guelra do peixe respira

Como a planta inflando o viço

Como o vento quebradiço delira

Mas nasce

Nasce brotando infeliz

Numa tarde de trovões

Dentre enterros e comoções

Mas nasce

Nasce pobre

Nasce triste

Sem força-motriz

Mas nasce

Nasce no nunca

Nasce no ontem

Nasce sem nada entender

Só pr'a renascer no amanhã

E perder o bonde

Mas nasce

Nasce sem-fim

A resgatar

O que em mim fenece

Em vida

Mas nasce

Nasce mesmo que nasça

Sem tempo de ver

Nascer-me na morte

Mas nasce