Simbiose
Ainda nem de ti havia eu sequer ouvido falar
E já porfiava (mesmo antecipadamente) te esquecer.
Ledo engano: em uma tarde de calor desumano
Uma álacre esquadrilha de periquitos anuncia aos gritos,
Ininterruptamente, teu nome, fazendo grande alarido.
Ferimento incurável em meu peito, é este querer não querer,
Este exilar voluntário, esta simbiose de contrários, este modo de amar dolorido.
O tempo, sem você, parece congelar; os ponteiros ficam travados, o relógio se recusa a andar.
Caminhando sob as árvores de um parque qualquer, portando uma vontade incomensurável de não viver, de irresistível aniquilamento,
Escapa-me um arremedo de sorriso: vem-me de chofre a tua lembrança no arrulho dos pombos, trazida no leve sussurrar do vento.
Sou acossado por um sono sem sonhos, um catártico pensar em tropel, um combate sem quartel a inerme esquadrão de conscritos.
É vital eviscerar meus sentimentos, lancetar estas compulsões, arregimentar os compungidos ecos de esquálidos senões e ejetar de uma vez estes lamentos insanos.
É noite fechada em minha alma; alma herética, arredia, alma anoréxica de fé, um rio de correnteza reversa, uma foz de nunca chegar.
Clamo as Esfinges dramáticas, lanço meu repúdio aos escultores do Nada, estes ocos prosélitos, acólitos patéticos de um deus macilento, um deus dependente de fingidas orações.
Debandei de basílicas entranhadas de conteúdo aparente, exorcizei legiões de descrentes a conduzir estandartes de esquecidas razões.
São ícones de verdades estreitas, antagônicas mentiras escorreitas, um cru desespero, insípido tempero a incrementar banais conclusões.
É o que depreendo em minha subjetividade agnóstica; uma mulher travestida de Vênus assexuada, ostentando bizantinas retóricas, frigidas primícias, pálidas carícias, encaminha o extermínio precoce do amar.
Não basta dizer “eu te amo”. É preciso dar alma para preencher o vazio destas sete letras, dar-lhes sentido, pujança, plena substância. Nenhuma poesia, por mais bela que seja, poderá jamais requerer o laurel de superar a profundidade do discurso contido na magia de um envolvente olhar de amor, no isolamento solene entre dois pares de mãos, a dialogar cúmplices, entrelaçadas.
Vale do Paraíba, noite da Terceira Segunda-Feira de Novembro de 2009
João Bosco (Aprendiz de poeta)