Risos sem dentes
Risos sem dentes
Não serei politicamente correto. O gosto ácido parado em minha boca leva-me a descrever personagens reais (por isso mesmo personagens indigestos)
Márcia, uma moça nada charmosa, mãe de três filhos (filhos iguais, bem parecidos – os pais é que são bem diferentes).
O adolescente sem pai, abusado sexualmente por inescrupuloso senhor – não tem noção do ocorrido - o que é muito freqüente (infelizmente).
Clara, uma mãe extremosa, profundamente religiosa; carrega um filho no ventre (o pai é o amante, não o marido) em toda igreja se benze, sem economia de gestos.
Que me falta o chão não é novidade, com isso já me acostumei, tantas vezes o vejo acontecido.
Já não me causa surpresa. Sinto-me medeando entre o hiperbólico e a nulidade,
Testemunha ocular destes tempos caóticos, espremido ao muro pela necessidade.
Um riso sarcástico me aflora aos lábios: não se come poesia (dez a zero para o pão amanhecido).
Não há muito o que fazer: limito-me (quando posso) a pensar, refletir, escrever (e nos intervalos tento viver.)
Ou então posso alistar-me ao Exército dos Contestadores sem Substância (fingida importância)
E trovejar sandices com contemporânea solicitude (amiúde é o que se espera – oh santa ignorância!)
Não há musas a versejar: reinam Maria e sua corcunda, Augusta e sua dentadura solta, cadáveres em vida, risos desdentados (nunca atinei o porquê).
A engrenagem que move o mundo, da qual pouco entendo, se me afigura tão medonha que só posso externar a minha perplexidade. Vejo muito mais coerência numa sociedade de formigas do que na sociedade dos homens.
Terras de São Paulo, noite da Segunda Quarta-Feira de Janeiro de 2010
João Bosco