Sonâmbulos Pensamentos
Vejo-te em miragem trêfega, a caminhar em praia ensolarada, um sol flamejante, lascivo, invade o meu instante, a beijar, possessivo, a textura pêssega de tuas pernas, tolhidas numa avarenta saia axadrezada.
Meu perdigueiro farejar te segue, sonambulando em noites sem dormir, a mitigar o faltar de teu abraço neste torturante travesseiro, inocente e infeliz prisioneiro de minhas agruras.
Trago-te para perto de mim, permitindo-te unguentar meu mendicante corpo com a tepidez de tua voz, predecessora e algoz de tua ansiada presença. Meu viajeiro pensar sentencia, nada lisonjeiro: isto é o umbral da loucura, doença que não tem cura.
Nem sequer dou-me ao trabalho de contestar, contento-me em agarrar, como o cavaleiro à sua armadura, como se apega a terra desejada um retirante, este sentir dissonante, este querer destoante, esta forma de amar desmesurada.
Pendulando em minha retina, a caraminholar com teus gestos de menina, os teus mimos, tuas momices, a marionete a balouçar. Ébrio, desmemoriado de teu brincar, em minhas lembranças tento segurar tua fugidia aparição.
Como um títere desnorteado, um bebê indefeso, num chorar convulsionado, perco-me das cordas, sucumbindo ao próprio peso, largado como brinquedo jogado, a esperar, em dias de céu aberto, tua vinda - minha ressurreição.
Minha alma cansada, de caminhos e exílios alquebrada, enxerga ao longe uma pálida luz a bruxulear; ergue os olhos, aflita, entoa um mantram, contrita, colando o rosto no áspero chão:
“-Que se ponha fim a minha jornada, que este meu desesperado cantar alcance a minha distante amada, oh seres divinos, transmutai o sofrer deste peregrino; dai-me a beber do vinho mais fino – e deixai que esta luz que se anuncia preencha o vazio de meu coração”.
O sentimento de Amor não é para ser entendido, posto que amar nos faz sentir como perdidos, vistos como loucos varridos, a navegar por mundos desconhecidos, por quem dele não se apetece.
Todavia, quem se atreve a longe jogar suas algemas, fugindo da insignificância de pétreos teoremas, supre o seu viver de substância, descobre que amar não é utopia,
Que no Amor seu espírito se expande, solta-se da pequenez, aprendendo a dar vez ao grande, banha-se nas águas da altivez, transmutando momentos de aparente tristeza em páginas de beleza – em poesia.
Deixa esquecida no pó da terra a antiga e enrugada casca de tartaruga, abdica dos antolhos inúteis, arquivados ao lado dos saberes fúteis, e enfim, alma liberta, faz uma estonteante descoberta: falar de amor equivale a rezar com ardor a mais poderosa prece.
Garimpar palavras para se falar de amor é tarefa das mais ingratas, dado que amor mais se sente, mais se vive, e dificilmente conseguimos expressá-lo com palavras. A cada poesia tento encontrar a melhor maneira de alinhavar palavras que constituam versos capazes de se aproximar minimamente deste sentimento grandioso que é o amor. Esta poesia é só mais uma tentativa rudimentar de expressar em palavras o que se sente quando se é invadido pelas legiões de Eros.
Vale do Paraíba, manhã do primeiro Sábado de Julho de 2009
João Bosco (Aprendiz de poeta)