PRECISO PARAR POR AQUI

Preciso parar por aqui,

enquanto as pegadas que deixei na vastidão do tempo

coincidem com o rumo dos meus caminhos.

Senão, caminharei por onde não vou

e o meu coração ficará para trás,

inútil até para chorar a minha ausência.

Senão, perderei as minhas escolhas mais sãs,

e depois não encontrarei jamais as palavras

com que digo tudo o que as palavras dizem de mim.

Senão, não saberei mais escolher, entre todos os outros,

aqueles a quem reverencio humildemente

em protestos de carinhos e leal amizade.

Preciso parar por aqui,

antes que no deserto nasçam as flores desconhecidas

que possam desmentir-lhe a lógica, aos silêncios férteis.

Antes que os ventos me roubem, por entre os dedos,

os grãos com que as areias escrevem o esquecimento,

dispersando-se pela paisagem.

Antes que os gestos, livres outrora, persigam formas,

e não se traduzam mais naquelas carícias amorosas das mãos

afagando as linhas que, em letras, vão esculpindo

Ou antes que se viciem os meus braços fortes

num nado travestido, sub-reptício sempre,

que me imita sutilmente, mas sem me ser.

Preciso parar por aqui,

antes que eu seja apenas eu, fazendo alguma coisa,

em vez de mim, não importando o que faça...

JULHO/2009

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 08/07/2009
Reeditado em 02/02/2020
Código do texto: T1688626
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