O morador de rua solitário
Na vida acontece de tudo
Gente que chora
Pessoa que grita
Mulher que apavora
Homem que agita
Tudo no decorrer do dia
Após a madrugada fria.
Nem sempre foi assim
Um dia fui de trato
Fui gente querida
Estudei de tudo
Aprendi o que é a vida
Mas a vida não me quis
E aqui me esparramei.
A rua me deu teto
Deu-me comida
Tirou meu medo
De ver gente má a solta
Na esquina da imensidão
Tirando o pouco que me resta
Não sobra nada para um pão.
Não posso chorar
Não posso sofrer
Se assim estou
É por que um dia errei
Um dia pequei
Marginalizei-me
Como credito dos meus erros.
A dor que me guarda
O Amor que não tenho mais
A luz que não me seduz
Tudo isso me deixou
Só, aqui estou
Vivendo do nada
Esquisito como o olhar do normal.
Não perdem tempo
Ao me verem
Tratam de me excluírem
Jogam esse monte de lixo
Na extremidade do lugar
Não me deixam sonhar
Não me deixam pensar.
Dessa forma me sinto lixo
Dessa forma me sinto animal
Não entrei para o crime
Mas sou taxado marginal
Sou requerido a coitadinho
Sou depravado na lixeira
Foco de risada e brincadeira.
Sou assim por que quis
Vivo na rua
Sou dono do meu nariz
Não devo nada a ninguém
Só a minha consciência
Assolando meus dias
Com meus desamores do passado.
Não tenho direito ao banho
Nos meus dentes
Ainda resta a brancura
Que a minha pele não deixa
O suor que transpira
Joga fora todo liquido
Que o calor me abafa.
Sou da rua sim
Não sou bandido
Sou humano
Sou escolhido para sofrer
E ainda alvo
Para satisfazer
A loucura do digno.
Quanta sujeira
Quanta mazela na sociedade
Quanto fedor
Se dizem que não presto
Dou risadas e logo me calo
Para não estrelar
A fera do desajustado.
O indefeso sempre é o culpado
O maltrapido desajuizado
Nunca tem vez
Nunca será um talvez
Em meio à exaustão
Que fere a sobriedade
No rosto do indigente da fraternidade.
Um dia fui alguém
Letrado como ninguém
Freqüentador de livrarias
Ilustrador de iguarias
Sempre com toque
No som de gente que pensa
De gente que faz.
Na obra fui autor
No autor amador
A serviço da história
Fui fomentador
E agora nada sou
Apenas um andarilho
Fugindo do meu destino.
Pressa me dá
Na hora da chuva
Um telhado procuro
Para quem sabe
Acolher meu corpo
Da frieza do ambiente
A natureza é feroz.
Nessa hora
Tiro meu tormento
Fujo da sujeira
Coloco água no corpo
E começo a brincadeira
Finjo andar no banheiro
Finjo ser feliz.
Muita coisa posso ser
Ninguém necessita mergulhar em mim
Para sentir minha dor
Se sou sofredor
É por que minha pele venceu
Fugi da realidade
Para aceitar a vida.
Foi esse meu negócio
Enquanto vida tiver
Sentirei a dor
Do andarilho sem destino
A procura de um ninho
Sem dinheiro a ganhar
Sem trabalho a exercer.
Fora do alcance publico
Longe da mente maléfica
Curto minha liberdade
Na rua triste
No clamor da minha verdade
Em tempo de compaixão
Só um pão me interessa.
Pouco a pouco a loucura me invade
De vez enquanto a lucidez aparece
Diz que sou filho de Deus
E logo me deixa orgulhoso
Por saber que o sofrimento
É apenas uma história
Que resolvi passar sem olhar para trás.
Hoje sou assim
Feio por fora
Fedorento do agora
Guardado a sete chaves
Esperando o momento ideal
De ressurgir
Para aliviar minha estrada.
Socorro nunca pedirei
Aqui faço meu firmamento
Obedeço à lei do tormento
E minha boca se fecha
Minha vida estremece
Para dar lugar a evasão
Ou meu fim acaba no caixão.
Aprender a amar
Aprender a sobreviver
Essa é minha empreitada
Minha estrada sem volta
Uma dúvida que não nego
Uma vida que me flagela
E a sede me castiga.
Tudo passo
Só não gosto da solidão
Só não aprendo
Viver sem o perdão
Viver a correr
Agir sem viver
É assim que me canso.
Todo dia é diferente
Por sempre mudar de lugar
Por sempre fazer
De outro espaço
Um pedaço do meu azar
Aqui relato meu desgosto
Por ser fato consumado.
Vida indigesta não é minha praia
Aí que ta a dor
Assim que firmo meu amor
Fugir era a só uma escapada
Atropelado pelo descuido
Fui desgovernado
Para andar sem destino.
Sinto que logo vou parar
Sinto que meu inglês
Ainda dá para encarar
Sou gente que almeja
Penso no agora
Vivo o outrora
E assim vou levando.
Na rua é um submundo
Uma vida sem leis
Cuspido por todos
E querido por ninguém
Assim me sinto
Homem de rua
Sujo abandonado.
A fome é a pior desgraça
Ergo a mão por um pão
E todos dizem vá trabalhar
A dor não é ser tratado como devagar
E sim como ladrão
Vagabundo de ilusão
Que se esconde na sujeira atrás de um pão.
Não é assim que deveria ser
As pessoas devem amar
Devem soletrar a paz
Viver o que deve ser
Não olhar para o exterior
Pense no interior
Ninguém me conhece.
Mendigo e porco
Posso até ser
Imundo de alma
Jamais serei
Por saber que existo
Por saber que penso
Sou mais um.
Nada mais a dizer
Enquanto sujeito
Enquanto desprezado
Ali perdi minha decência
Aqui faço meu declínio
Na hora de morrer
Vou dizer que fui herói.
Para todos que esculpirem
Minhas letras no homem de rua
Sinto a dor
Não finja que é mais um
Nunca sabemos o dia de amanhã
Hoje sou escritor
Amanhã posso ser lavrador.
Na vida só tem uma certeza
Então peço-lhes
A rua é um presídio
Uma fuga do abandonado
Se nela estiver
Ajudo um menor desprezado
Calcule sua perda.
Na hora da honraria
Sua mente estará alertada
Por diante de sua estrada
Ter feito o que muitos viram as costas
Ergueu sua mão
E colocou no braço
A solidariedade que tu carregas.
Sou morador de rua
Vivendo a mercê
Escapando das doenças
Escalando a violência
Para não pertencer
Ao noticiário local
Mais um na pedra, mais um marginal.
Minhas humildes desculpas
Por fazer desse verso
Uma história de dor
Poderia falar de amor
Mas resolvi encarar esse fato
Proteger a dignidade
Na voz da poesia solta.
Claridade para todos
Humildade aqui espero
Só, nessa estrada
Eu e mais ninguém
Peço a Deus que me carregue
Assim, não atrapalho
Não estrago o caminho
Com minha sujeira.
Sentimento de angustia
Fadiga da realidade
Sociedade estúpida
Vive fugindo da violência
Escapando por pouco
Roubando o que é do outro
Para sua própria luxuria.
A educação é a solução
Estudar dá a vida
Entender dá caminho
Sofrer é despedida
É a fúria da varrida
Para jogar o pó bem longe
E não embaixo do tapete.