Enxergar

Somos todos cegos

Todos iludidos

Nós olhamos, mas não vemos.

Nós dizemos, mas não sentimos.

Estudamos, mas não vivemos.

Não falamos, repetimos.

Não absorvemos nem ouvimos

O que é a vida em que não se faz o que gosta?

O que é o homem que não enxerga a beleza das coisas?

Os olhos de criança

Olhos de poeta

Nos são tirados

Arrancados com os anos dissimuladamente

Feliz o que consegue enxergar graça numa nuvem que passa

O que imagina a imensidão do universo

Enquanto observa os pássaros voarem a esmo

Feliz o que observa a paisagem nos seus detalhes

A perfeição de cada pedacinho de mundo

Cada partícula de vida

E como um todo

Um ser que respira unido

O universo sofre

A mãe terra chora e lamenta seus filhos

Sua nova legião de alienados que brotam todos os dias

De todos os cantos como uma doença

Um cancro de ignorância

Pobres seres comuns

Que insistem em fugir de si mesmos

E deixam de enxergar as obras de arte do mundo

Feliz aquele raro que abre os olhos e enxerga tudo sempre novo

Aquele único espectador que pára no meio dos comuns para olhar

E com olhos em lágrimas de emoção observa a vida

A flor que desabrocha na beira da varanda

O cantar do pássaro na esquina barulhenta

O rumorejo das águas batendo nas pedras

O silêncio da noite na montanha longe dos homens

Aos poucos nos tornamos todos cegos

Perdemos a capacidade de enxergar a vida

Nós morremos, sem ter sequer vivido.

Nós olhamos com olhos embaçados

Ouvimos com ouvidos cheios de filtros

Somos criados pra ser parte do maquinário do egoísmo

E morremos sem saber como as coisas são realmente belas

Enxergar depende apenas de querer

E querer enxergar depende apenas de você