Último poema de Pessoa

Há doenças piores que as doenças,

Há dores que não doem, nem na alma,

Mas que são dolorosas mais que as outras.

Há angústias sonhadas mais reais

Que as que a vida nos traz, há sensações

Sentidas só com o imaginá-las

Que são mais nossas do que a própria vida.

Há tanta coisa que, sem existir,

Existe, existe demoradamente,

E demoradamente é nossa, é nós…

Por sobre o verde turvo do amplo rio

Os circunflexos brancos das gaivotas...

Por sobre a alma o adejar inútil

Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

 

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

 

19-11-1935

 

Fernando Pessoa, Cancioneiro

LeandroRecife
Enviado por LeandroRecife em 25/04/2022
Código do texto: T7503063
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