Ave, Abismo

Por que se é vida se a taciturna é certa?

Repara minhas mãos

em que os sulcos brincam.

Veias vão se partir

no trabalho insano

da unção extremada.

Sela o lábio ressequido.

Milho aos pombos

na praça do vento fedido.

Onde está minha memória

no saco de lã

do conforto?

Onde está Margarida,

flor da manhã rebelde?

Sou velho como a ferrugem do mijo ácido.

Meus sonhos rivalizam-se

com as trombetas vermelhas do Evangelista.

Não tenho sede espiritual.

Por que se é ainda vida

se a taciturna é casta?

Parte de mim

desperta o paladar do verme.

Parte de mim

se foi no enfastio.

Parte de mim

é vontade.

Parte de mim

ainda não brotou.

Gleidson Riff
Enviado por Gleidson Riff em 04/02/2020
Código do texto: T6858152
Classificação de conteúdo: seguro