Dois mil e até quando?

A mídia escondeu, mas que mal tem?

Amanhã serão mais duas, três, quatro.

Preferia eu não saber contar.

Claro que foi mais um caso.

Mas o que não te contaram é que ontem aqui no bairro uma foi apedrejada.

Pobre, negra, estuprada!

E semana passada, uma foi assassinada, viúva, senhora, sozinha.

O que não te dizem também é que dias atrás fui violada, meu corpo, sujo, imundo.

Mãos, braços, pernas, ah!

Fica quieta, ou vou te matar!

A podridão da carne, de um desejo sujo sobre um corpo, nada loiro.

Cabelo bagunçado sim, mas a bunda, ah a bunda!

Mas não é negra, tá ali entre os dois.

Tem cabelo pixaim sim, mas a pele da "cor do pecado".

Pecado esse seu, não me meta nisso.

Não me junte a toda a sua sujeira, não partilhe comigo uma sequer palavra.

Seu gozo, seu beijo forçado, me repugnaram.

Não foi assedio, juro, ela quis, olhou pra mim de um jeito diferente.

Mas a boca vermelha demais, a saia curta demais.

Estava tarde demais.

Hoje mais uma se cala.

Hoje meu corpo se recolhe.

Hoje cultivo um buraco, pregado, amargo.

Até quando ficaremos no hoje?

Hoje, foi tarde demais.

Yngrid Bitencourt
Enviado por Yngrid Bitencourt em 28/05/2016
Código do texto: T5649249
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