O auto retrato

''O mistério não é um muro onde a imaginação esbarra, mas um oceano onde ela nada''

Gustav Thibon

Em um casebre afastado

o cheiro de tinta a óleo

impregnava o ar,

e o único barulho perceptível

era o ruído seco do pincel

sobre a tela a dançar.

A dama que o portava

- senhora de tais danças coreografadas -

entrou na mais profunda divagação

ao observar os borrões coloridos

deixados pelo pincel em sua mão.

Eram reflexos do tamanho afã

dedicado em sua arte...

ela, portanto, sorriu de satisfação.

Perdera-se colorindo seus sonhos

e - sem querer - nutrindo seus receios

quando um barulho nada estridente,

mas terrivelmente baixo,

arrancou-a de seus devaneios.

As folhas outonais iam quebrando-se...

calmamente e ritmadamente.

Eram passos...

Ora, que criatura estaria a vagar por ai

quando o pretume já é tanto?

A cada passo pachorrento dado

o horror em suas ideias, iam aflorando

e cada articulação, paralisando.

Ora, como saber que tipo de desdita

o mistério abriga?

''Pode ser Samyaza querendo

implantar um demônio em meu ventre!

Ou alguma outra besta divinal

de olhos escarlate e manto corvino!''

A mente da mulher gritava

mas de sua boca nada saia

- e nem ousaria -

Queria correr até seu amado

cujos braços a salvaria

das ciladas mentais

capazes de desviar a realidade.

Mas ela acreditava em sua mente!

Essa que berrava

que do outro lado da porta

havia uma criatura mórbida!

Seu raciocínio, por mais ignominioso que fosse

era incapaz de imaginar - ou criar -

a horrenda aparência da criatura

e os martírios que nela iria causar.

Era preferível, pois, a mais rápida e certeira?

ou a infinidade de torturas

que tal algoz, ao aplicá-las, gozava?

Ela olhou para a figura melancólica

na qual retratava

e com os olhos marejados, pensou:

''Foi sua ultima pincelada''

E assaltada por uma coragem súbita

pegou uma faca

e fez atravessar seu coração...

O liquido purpúreo

escorreu pelo chão

indo até o vão da porta,

onde estava seu amado

com belas flores na mão.

Larissa Segantini Negrão
Enviado por Larissa Segantini Negrão em 31/01/2014
Reeditado em 01/10/2014
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