QUANDO VIR A NOITE...
“-Tenho medo do chão.
- Queres dizer alturas.
- Eu sei o que quero dizer! O que nos mata é o chão!”
Autor: Terry Pratchett
Quando vir a noite, um tanto perdido sem nada a fazer,
quero um pássaro noturno a sobrevoar a minha janela:
feito uma alma penada, querendo reza, pedindo prece.
Quero assim: igual alguém batendo, feito um clamor,
e, na mudez da alta noite, me fingindo de outro morto,
aqui dentro, no conforto das sombras, asilado da vida!
Qual poeta, outro louco, cantaria em verso ou prosa a
visita de uma alma já sem seu corpo na própria porta?
Quem adoraria outro ser na sombra fosca e na poesia
eternizaria esta visita? - Eu, também vindo de outras
épocas, outros campos e de outros santos, além disso,
meio eterno, de outro inverno; sei nos daremos bem!
Não pensem que vou tremer com seu grasnido, nem
que aclararei o escuro que eu adoro e que sou parte;
Sou da noite, também tenho a alma daquele pássaro,
que com insistência de um louco fica a observar-me,
e, parado e contemplativo passo a ser parte do que
para outros seria desdita, mas para mim tão natural!
Nem sei bem o padre nosso ou uma salve rainha, nem
sei também se quero rezar; quem sabe orando aquele
pássaro voando sumiria e me restaria apenas o vazio.
Quero-o implorando igual aos feios de face rogando
beleza; de ouvidos moucos finjo nem lhe dar atenção.
Coitado! É mesmo uma alma penada ainda penando!
Nas trevas da noite o que era para ser assustador
deixa-me arrebatado. Assim o miserável pássaro
terá que encontrar noutra casa outro ser que lhe
atenda a penúria de oração; porque eu, na minha
condição de louco quero ser é seu parceiro, quero
noutra noite ser ave noturna a bicar nas vidraças!
Nem que seja para ser ignorado, que outro me deixe
perdido a bater asas em vão, mas que seja uma alma
competente e na mais pesada das noites que o vento
maldito repita ao longe meus ais, e nada me distraia
da minha sina de visitante maldito, nem que seja um
grito nas noites almejo tirar dos insones incrédulos...
Talvez esta psicopatia de poeta, seja a solidão e a dor
e eu deva ser expiatório, tenha de ser tolerante a mais
bizarra das cenas e tenha que ser parte desta magnífica
feiúra noturna que me encanta, e este rejeitado pássaro
seja parte deste enredo imperfeito que me prende todo;
Talvez eu me consuma nesta delinqüência deslumbrada!
Talvez este pássaro seja os descartados pela perfeição
mundana, talvez se debruce no parapeito e se entrega
aos castigos pelos seus malfazejos, quem sabe a utopia
da madrugada não me arranque o fôlego ou me roube as
palavras, quem sabe este poema já não tenha sido escrito
e outro no amanhã o reconte, ainda que de forma inédita!