NEGUEM-ME A FALA

Já me acostumei com o fato de ter me tornado uma incógnita. Para mim mesma.

Mutações ocorrem, sei que ocorrem, quando menos espero. Acho que decorei-as. Aprendi a engolir-las.

Quem nunca quis um olhar, ou um gesto de ternura? Quem nunca se enamorou por um pedaço de ar, inexistente. Quem nunca tentou se preencher?

Me preencho, me esvazio, reciclo-me, um pássaro que nunca construiu um ninho.

Ah, que bonitos são os dias que passam rapidamente, e que deixam apenas um gosto, lembrança de doçura...esses sim me encantam.

E estes? Que passam se arrastando, como se quisessem dizer-me algo, e eu, teimosa, nego-lhes a fala. Simples ato injurio.

Quando dou a luz às minhas loucuras, jamais permito que elas, pequeninas, se acomodem facilmente, como sofrem, se perdem, e num átimo de momento se chocam, me chocam, e desbocam.

Se até a misteriosa maldade já foi aceita, por que não posso eu aceitar-me, assim, desta maneira tão simples e desfocada na qual me encontro? Poupem-me, tenho dois olhos, uma boca, e dedos, posso escrever, e vou escrever até tirarem-me as batidas do peito.

Mas, se é de vosso agrado, pode arrancar-me os olhos, destruir minha boca, e dilacerar meus pensamentos, leve, cortesia da casa. Escrevo é com o coração, ardendo em chamas, imerso em gelo, caído de uma bolsa furada, provido de uma espada, um coração. Ah...já pensou em tirar-me este também, pois bem, tira-me, mutila-o, queime-o, ofereço ajuda. Minh’ alma vem depois, linda e sórdida num parapeito de janela, bondosa e sagaz, e de uma maneira ou de outra, continuarei a escrever.

Já disse-lhe que é platônico, todo buzinar de informações é. Pior que platonicer os outros, é platonicer a si mesmo. Invejável autocrueldade