Folha Pautada
Minha folha pautada,
Ao contrário dessa lisa,
A do computador é apagada,
Algo sem aquelas linhas da vida.
Vou traçando na horizontal,
Dando chão às letras,
Atravesso os limites, sou radical,
Só paro no fim da folha, com certeza.
Os traços me indicam o caminho,
Guia que mapeia minha rota,
Tento deixar tudo ali em cima certinho,
Mas insisto com caligrafia torta.
Estou pautado nessas retas,
Que cortam o papel,
São terrivelmente diretas,
Na margem de cima se fazem de céu.
As inverto,
Deixo na vertical,
Um gargalo que dá medo,
Engolindo a escrita de forma abismal.
Sem chão e sem teto,
Com margens estreitas nas laterais,
Cano de detritos indigestos,
Descem feito pilares monumentais.
Modifico a disposição da folha,
Ou basta ter outras postura de escrever,
Faço minhas próprias escolhas,
Esse amontoado de pontos que irá ceder.
Tirania laudatória,
Impõe meu ir e vir,
Faço minha própria história,
Rabisco até a linha sumir.
Força na esferográfica,
Rasgo essa superfície,
Torno fragmentária,
Furo com ponta de grafite.
Mostro minha autoridade,
Condiciono esse amparador de escrita,
Amasso causando evidente desgaste,
Deixo borrar para perder a imagem das linhas.
Delineado que mancho,
Uso tesoura para mutilar,
O corretivo eu lanço,
Até cola uso para grudar.
Com a caneta em mãos,
Vou traçando retas variadas,
Mesclando linhas em combinação,
Um emaranhado de formas riscadas.
Traço envolta da linha,
Contornos em circular,
Embrulho essa contínua,
Mostro que posso revolucionar.
Já tenho o campo de papelaria,
Não desejo também esse território alinhavado,
Desterritorializo essa engenharia,
Régua que tenta me fazer de encarcerado.
Corro além dos limites,
Deturpo essa estética enfadonha,
Rompendo em declive,
Apago com a borracha essa linha estranha.
Trilhos que tentam ser trilha,
Mas não ando nesse trem maquínico,
Consigo até voar se a mente imagina,
Derroto esse jungeano simbolismo.
Quebro tal geo-metria,
Nem admito ser pontilhado,
Um caos, à revelia,
Brinco com minúsculos espaços.
Uma zebra em listras,
Uso como vala, valeta,
Canalizo em vielas sinistras,
Dutos com intuito de sarjeta.
Transformo em rios,
Mas transbordo as bordas,
Dou longos respingos,
Faço minhas ilhotas.
Um mictório,
Meu mijadouro,
Despejo dejetos de propósito,
Urina acidamente cínica nesse poço.
Esgoto a céu aberto,
Recebendo tudo que defeco,
Eliminando e sinto liberto,
Vou diluindo nesse mar aberto.
Mata-burros que tenta prender meu casco,
Sou burro-homem, equidae-sapiens,
Jamais me quebrei nesse tosco trágico,
Sou um Quíron e não me faço covarde.
Dou coices nessas paralelas,
Acrobata olímpico que salta sobre elas,
Utiliza enquanto lhe interessa,
Depois fazendo-as inúteis, patéticas.
Violência de frestas,
Persianas malditas,
Seu traço não me interessa,
Estraçalho tornando-as vazias.
Raios querendo fazer prisma,
Me faço Melek Taus caleidoscópico,
A mim não contamina,
Não preciso de um protótipo.
Arquitetônicos frisos,
Buscando abrir em leque,
Separo seus motivos,
Nesse jogo te coloco em xeque.
Te dobro impondo curvatura,
Dissolvo em oportunidade aquosa,
Providenciarei que foque sem textura,
Espalharei para que fique defeituosa.
Causo ruptura nessa estrutura,
Mastigando qualquer aresta,
Eclipsando numa sedutora mistura,
Fertilizando essa plagiadora com incorretivo esperma.