Amor Decomposto

Vamos nos amar, inteiros,

Talvez seja melhor dizer,

Decompostos, sem exagero,

Desintegrando, um desfazer.

Nossos corpos comprimidos,

Se juntam numa simbiose necrófila,

Vamos se emaranhando, despossuídos,

É um desenlace que efetua uma morte tórrida.

Epidermes esfarelam no leve contato,

Vermes saem de mim e entram em ti,

Comemos um do outro alguns pedaços,

Agora é necrofagia que se faz existir.

Quero usar esse falo feito larva maldita,

Mas não tenho pênis, já apodreceu,

Permutamos bactérias que não podem ser detidas,

Podres personagens de um teatro que ainda não morreu.

Peles escurecidas, olhas esbranquiçados,

Pelos que vão se desprendendo,

Tecidos deterioram por entre os espaços,

Ao nos encontrarmos, vamos nos perdendo.

Não podemos falar, nem língua existe,

Os dentes roçam provocando som horripilante,

É o mais próximo de um ósculo que isso nos permite,

Os ossos já se insinuam por escaparem nesse instante.

Ainda é possível pensar,

Apesar do cérebro estar diluindo,

Aquosidade feito chorume a contaminar,

Algo que nos torna ainda mais íntimos.

Isso não é zumbi, apenas mortos,

O desespero de agarrar o que esfacela,

No máximo gosmentos pegajosos,

A iminência da morte que no futuro os oblitera.

Esse seria o verdadeiro ditado,

De um possível livro dos mortos escrito,

Falando do ilusório orgânico projetado,

Com páginas feita de pó dos proscritos.

Quanto mais nos raspamos,

Mas perdemos matéria,

Contato que rompe esse carnal pano,

Moendo essas fibras em grãos análogos aos de terra.

A ossatura se faz gráfil,

Feito osteoporose fúnebre,

Sinto partir de forma fácil,

O esqueleto lúgubre.

Rádio e ulna se separam,

Na tentativa de abraço singelo,

Um pedaço da ulna adentra o peito quando se amassam,

Chega a tocar o coração, uma massagem cardíaca de incertos.

Cheiro putrefato que adentra as covas nasais,

Posso enfiar dentro delas um conjunto de falanges dos dedos,

Tentar puxar os olhos por elas ignorando as orbitais,

Deixando em cima, apenas tumbas mariores para possíveis enterros.

Teus seios, apenas muxibas secas,

Parecem estrume de vaca envelhecido,

Essa vulva ainda insinuante, alcoviteira,

Somos um casal de seres carcomidos.

Devorado por animais brutos é algo doloroso,

Mas por essas crituras miúdas, é pavoroso,

Mas juntos alimentamos o micro mais guloso,

Numa amálgama que torna o caos delicioso.

Essas coxas com crateras, toco seu fêmur com doçura,

Tentando não fazer algo brusco que possa nos arrebentar de vez,

Aproveitamos esse sentir que se torna uma fissura,

Fragmentando parte a parte até o último resquício de solidez.