Meu Mundo Caiu

Foi num dia da semana,

Acordei pra vida,

Ao levantar daquela cama,

Algo me acontecia.

Reparei que calcei os chinelos errados,

Abri a porta e fui acender a luz,

Daí constatei, a lâmpada havia queimado,

Fui tateando a sombra que me seduz.

Abri a porta e esperava o sol,

Estava chovendo, gotas médias,

Nem sereno e nem chuva de toró,

Assumi uma postura bem cética.

Abri a geladeira para pegar manteiga,

Reparei que passara da validade,

Comi assim mesmo com torrada seca,

Sentei à mesa com ar de seriedade.

Uma mosca entrou no meu nariz,

Fiz força para ela sair, o efeito foi outro,

O maldito inseto eu consegui ingerir,

Constatei que agora havia mais um corpo.

Levantei a tampa da privada,

Urinei de forma correta no vaso,

Pensei: - Que coisa engraçada!

Geralmente erro o primeiro jato.

Entrei embaixo do chuveiro,

A água caiu fria no dorso arrepiado,

A descarga sem funcionar, mal cheiro,

Saí sem me lavar, fui direto ao quarto.

Sentei na cama e o lençol caiu,

Uma brisa fez um tufo de cabelos rolar,

Na rua um cachorro pequeno latiu,

Reconheci o porte pelo tom de irritar.

A camisa pendurada molhada,

Estava fedendo a mofo na janela,

Pisei numa pedrinha que encontrara,

Na sola do pé apareceu uma micro cratera.

Peguei água da torneira,

Bebi com gosto de cloro,

Na geladeira nada de cerveja,

O telefone toca, ignoro.

Visto a cueca e descubro,

Um baita buraco atrás,

Seria para facilitar o uso?

Senti de repente uma paz.

Liguei o som, só música chata,

Liguei a tv para tentar distrair:

- Merda de Ana Maria Braga!

Deitei e tentei não diluir.

Uma náusea tomou conta,

Achei que iria colocar pra fora,

Aquele pastel com Fanta,

Que havia comido ontem nessa hora.

Apareceram dois fios de cabelos brancos,

Estou ficando velho, a velhice não é minha,

Os outros que me fazem velho, eu só reclamo,

Dá pra ver alguma calvície, talvez seja sina.

Nem uma bebida mais forte,

Só fruta apodrecendo na fruteira,

Nem leite tem para tomar com Toddy,

Passo os dedos pela cristaleira.

Uma taça quebrada,

Corto a mão,

O sangue desagua,

Um vermelhão.

Enrolo a mão em toalha de papel,

Jogo os cacos fora no saco de lixo,

As formigas ali fazem até rapel,

Tem barata morta nos detritos.

A hora demora a passar,

Já os carros passam direto,

Tento os sons abafar,

Mas não desligo o cérebro.

Tocam a campainha,

São mulheres com roupa de igreja,

Olho pela gretinha,

Fico calado até que elas desapareçam.

Jogar xadrez sozinho não é como nos filmes,

Não tem aquele glamour intelectual,

Penso que no quarto deveria ter uma bela suíte,

Ir até outro cômodo para cagar é brutal.

Minha perna está dormente,

A sensação de cãibra me faz rir,

Claro que sorrio forçadamente,

Dou uns tapaz para o sangue fluir.

Passei a mão pelo peito,

Soltaram alguns pelos,

Sinto a viscosidade nos dedos,

Embaixo eu raspei, estou sem pentelhos.

Um barulho esquisito,

Faltou energia,

Já estava tudo fodido,

Talvez tenha serventia.

O pó de café endureceu no coador,

O fogão está ensebado de gordura,

A aranha fez sua teia no ventilador,

Até a lagartixa perdeu a compostura.

As unhas que roí estão doendo,

A aliança faz o dedo coçar,

Abri a porta e entrou um vento,

Um gato começou a miar.

Porque não tem mais ninguém comigo?

Droga, eu sempre ando comigo mesmo,

Não posso me livrar desse eu inimigo,

Sempre acompanhado, esse é o jeito.

Não tenho plantas em casa,

Prefiro não domesticar assim a natureza,

Me cortei justo naquela taça,

Me recordo quando bebi e a deixei na cabeceira.

Vou ler na sala, isso é gostoso de se fazer,

"Entre Quatro Paredes", amo Sartre,

Se tivesse que eternamente só comigo conviver,

Já seria um Inferno de verdade.

Vodka, poderia beber agora,

Mesmo se vomitasse depois,

Valeria à pena a droga alcoólica,

É bom esquecer quem foi.

Estou dormindo ou acordado?

Talvez seja uma mistura de cada,

Mas agora que virei de lado,

Minha orelha queima, que piada.