O DIA EM QUE FUI PRESO

Minha mãe degustava um prato de sopa

quando os demônios entraram em casa

e me pegaram surpreendido pelo estupor

da invasão e das ervilhas que ainda flutuavam

no caldo fatidicamente inacabado.

Temi por mamãe e seu coração frágil

que estava em frangalhos desde a morte

do cão de uma vizinha que lhe visitava,

dizia ter tido ele mais direito ao seu amor que eu,

pobre dela, pobre de mim não houve piedade

e insistiam saber de algo sobre minha vida

nos bordéis e nas casas de jogos

e ao voltarem do meu quarto carregavam

em pares, pois havia muitas, todas as cartas

que tinham-me sido confiadas pelas prostitutas,

foi um golpe terrível para Clara, minha irmã,

saber do irmão alcoviteiro e em desespero lúdico

rasgou as parcas roupas e passou a copular animalesca

no sofá em frente a janela da que dava vista a igreja

esfregando despudoradamente seu corpo desnudo

nas espalhadas cinzas do meu pai cremado há dois anos

que morreu de tuberculose.

Eu não lhe podia ver o ódio e o sadismo no rosto e nas curvas

porém não conseguia fechar os olhos como se parte

da minha alma também estivesse louca,

quando acabou a horripilante cena deixaram-na derramada

entre lágrimas e sangue em cima das cartas

as quais lia uma a uma, com comprovado repúdio

entre um cigarro e outro. Soube mais tarde

que minha irmã durante 10 anos seguidos

foi a mais requisitada das putas e escrevia-lhe cartas da prisão

e só obtinha monossílabos acompanhados de camisinhas

enquanto minha mãe nunca terminou a sopa

pois não havia forças para levantar a colher

e viveu o inferno antes de morrer esbravejando

que saímos e deixamos a porta aberta.